quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Dia de sorte continuação


Dia de sorte por António Braz

Chegaram a casa dos avós de José tardiamente, e encontraram-nos preocupados esperando, receosos que tivessem tido um acidente. Aguardava-os ainda o jantar que aqueceram, comeram e foram todos deitar-se. José sentia-se cansadíssimo, mas dava voltas e mais voltas na cama sem conseguir adormecer. Continuava ligado às decisões que a mãe sempre tomava no seu lugar, mas desta vez esperava resolver ele próprio sem incomodar ninguém. Porém, havia tantas arestas para limar! No silêncio daquela noite deliciosa sofria o maior pesadelo da sua vida… não sabia que fazer, nem quem era, mas sobretudo o que era na realidade. Lamentava a falta de coragem para divulgar o que realmente sentia e estremecia sempre que lhe ocorria poder estar a viver num corpo errado que o pensamento transformava em mártir, naquele que por todos era recriminado, humilhado intransigentemente. Já tinha consultado vários livros especializados em sexologia sob todos os aspetos, assim como as perturbações inerentes não tendo chegado a uma conclusão axiomática para o seu julgamento que variava a cada minuto, segundo ocorrências vivenciadas e imaginárias. Ocorrências tais como: um dia sentiu-se mal com dores de ventre terríveis quando ia passando numa das ruas de uma grande cidade. Numa placa em mármore estavam estampados o nome de um médico e o seu consultório. Desta vez resolveu não comunicar à mãe, subiu as escadas até ao 1.º andar e perguntou à rececionista se podia consultar que era uma urgência? Esta perguntou se tinha marcação prévia ao que o rapaz respondeu negativamente. Ao mesmo tempo, vinha trazer à porta, o médico, uma cliente e os olhares dos dois cruzaram-se durante alguns segundos como hipnotizados. Aquiesceu que podia consultar só que era obrigado a esperar que todos os que aguardavam com marcação fossem atendidos. Quando por fim chegou a sua vez, e que o médico o mandou deitar de ventre para cima na maca para o efeito, o rapaz, tímido e envergonhado exitou, sobretudo que lhe ordenava de retirar as calças até aos pés, levantar a camisa, para melhor poder examiná-lo. – Senhor doutor é mesmo necessário?...

- Claro! Não te preocupes que eu já vi muita gente despida…

Não vou relatar detalhadamente o que se seguiu, mas este médico com os seus 50 anos, casado, mas homo, abusou da humildade de um rapaz passeando as suas mãos constantemente pelos órgãos genitais até ao extremo fingindo que o estava a examinar. Indignado profundamente, revoltado consigo próprio por não ter reagido como um cidadão exemplar, consentindo sem balbuciar palavra, desceu as escadas petrificado vagueando horas pelas ruas sem ver nem ouvir ninguém.

Era ainda bem cedo quando o galo cantou e acordou José que tinha dormido apenas uma hora, mas os pesadelos tinham entrado na sua caixinha de segredos, e o dia raiava novamente com otimismo e alegria. Foi o avô que veio chamá-lo ao quarto com um abraço fraterno cheio de carinho e amor, ao qual ele correspondia 

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