quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Perdição

Destinos por AB 970 Fraquejar quando julgamos que nada nem ninguém nos pode atingir é recorrente e frequentemente erguer-se torna-se impossível. A desgraça puxa sempre desgraça aumentando a impossibilidade de erguer novamente a cabeça. Somos nós próprios que proporcionamos, a maior parte das vezes este labirinto de ações maléficas onde ficamos agarrados para sempre. Ontem era dia claro hoje noite escura. Ninguém pode nada contra a fatalidade. No pano mais branco cai a nódoa – disse alguém com toda a veracidade. Aquela mulher idosa que vivia o seu calvário numa pobre casinha, desde que perdeu tudo num incendio, quem sabe, posto? Sobrevivia miseravelmente com o pouco que a terra lhe dava, numa pequena casa abandonada, sem conforto, sem conhecer os dias da semana, quando era Natal ou Páscoa, para ela nada tinha importância, apenas um gato selvagem que um dia veio rapar à suposta porta cheio de fome. Entregou-lhe o seu jantar, batatas e feijões vindos da pequena horta onde passava os dias que lhe restavam para viver. Comeu tudo como os políticos e quando terminou, levantou aquele olhar felino, mas piedoso como quem pede perdão. Desde então nunca mais se separaram. No chão jazia um corpo de homem inerte, na umidade do solo térreo, que não tinha sido esquecido. A velhinha depois de verificar que não estava ferido, aguardou o descanso, colocando-lhe de tempos a tempos um farrapo de água aferventada com ervas que também eram eficazes para que a febre descesse. Quando abriu os olhos pela primeira vez, julgou estar no paraíso, onde uma velha lhe recitava os seus pecados. - Então? Gosta da hospitalidade? - Não sei onde estou? -Na minha nobre casinha e acredite que é pesado para uma velha como eu! Porque vim aqui parar? Isso já não sei. Sucumbiu ao cansaço. E porque me acolheu? Por ser um ser humano que talvez tenha passado pelas dolorosas fases que eu passei. - Eu não mereço a compaixão de ninguém… - Está completamente errado, todo ser vivo merece compaixão independentemente do que tenha feito. - E que conta fazer deste farrapo sem eira nem beira? - Em primeiro lugar vai ter de mudar de roupa para tomar um banho debaixo daquela cascata. Depois vou fazer de comer que deve estar esfomeado, as conversas ficam para o fim. Se desejar permanecer neste lugar terá de me respeitar e trabalhar a terra que nos dá tudo, se pelo contrário desejar partir a porta estará sempre aberta. São duas escolhas difíceis de tomar, não sabendo fazer nada e não ter para onde ir. Tudo tem solução e a noite ajuda-nos a refletir.

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