sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

FECHARAM A PORTA



Os nossos vizinhos partiram… a porta e janela que todos os dias via da minha varanda logo ao levantar, mantem-se fechadas… já não se ouve, por vezes às duas da manhã, aquela musica pimba vinda da aparelhagem, com volume a top, e, eu, atirando areias para a janela, manifestando o descontentamento de ser acordado do primeiro sono cujos sonhos são quase sempre os mais agradáveis. Não havia somente alegria manifesta, dentro desta humilde casinha, antiga, de xisto e telha redonda que deviam rondar os cinquenta anos… o álcool que o tio Agostinho, mais conhecido na Aldeia por “sureta” trazia do café, ingerido com excesso, ajudava a estas manifestações noturnas, e a Sra. Conceição, não ousava contrariar o companheiro, que respeitava e acarinhava como um filho, não lhe deixando faltar nada em detrimento de se alimentar ela própria, com os recursos da sua magra reforma. Voltava sempre do campo com um feixe de lenha, e o seu sequeiro tinha sempre com que fazer fumegar, nas manhãs frias, logo cedo, a cheminé com chapéu de lata, impedindo que a fumaceira subisse para o céu, seguindo a direção imposta pelo vento, vindo do lado do Mogrão ou de Agrochão. Era uma casinha pouco confortável, com buracos pelas paredes até ao telhado, o qual também deixava passar umas gotas de água, vindo cair numa das duas peças, por vezes na cama. Sofriam os dois de asma, sendo o Agostinho assistido mensalmente por oxigénio receitado pelo médico de família.
 N’um certo dia, estava eu a levantar-me da cama, quando ouvi, através da janela, um falatório anormal, que um agrupamento de pessoas, fazia chegar aos meus ouvidos, e, apercebendo-me de que algo de anormal se estava passando, abri a janela, e deparei com o “Sureta” assentado n’um mocho junto da porta de sua casa,, e em volta algumas mulheres perguntando umas às outras para onde o iam levar, subentendi que estivesse morto … - levamo-lo para a Igreja? Perguntou uma das mulheres. Entrevi e perguntei o que se passava… já não respira, gritava a Conceição a chorar…
Enquanto me vestia, pedi que fossem a casa do “falina” pedir uma bomba de oxigénio rapidamente. Baixei a correr as escadas e logo que o moço que foi de carro procurar a bomba chegava também, peguei nela, introduzi-a já com dificuldade na boca do moribundo, que já se encontrava mais para lá do que para cá, e pressionei-a por três vezes. Retirei-a com o queixo já mais flexível, enquanto uma senhora, abanava um cartão fazendo-lhe chegar ar à boca, e por conseguinte aos pulmões já quase adormecidos…. Começou a reagir, e liguei para o 112, que chegou quinze minutos depois. Meteram-no no carro, e ligaram o oxigénio. Curioso foi ouvir o “sureta” rezar enquanto era levado para o carro de socorro, um homem que não acreditava em Deus, e jamais ia à missa nem à Igreja… ficaram as senhoras a sussurrar o seguinte: -Quando nos vemos apertados queremos em Deus…
O homem ressuscitou comentavam as pessoas… e ele sorria, mais tarde, quando lhe contamos o sucedido. Vive hoje no Lar, enquanto a Conceição minha amiga vizinha partiu para o céu um Domingo, sendo encontrada pelo marido estatelada, sem que o companheiro embriagado lhe tivesse prestado socorro, que ela com certeza pediu e ninguém a ouviu. Que a sua alma descanse em paz.

2 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Fazes bem em contar estas vidas, algumas delas muito más, porque a realidade não é sempre bonita e os nossos olhos não conseguem alcançar tudo.

Beijos

antonio disse...

Fátima: nem sempre é fácil publicar coisas do agrado de toda a gente, e tu sabes melhor que eu... com os tempos que correm, a desertificação e as exigencias dos leitores, torna-se ainda mais fifícil, sem colaboradores, e sobretudo factos que despertem a curiosidade de visitar, mesmo que não comentem... Também as pessoas se retraem quando se pergunta alguma coisa sobre certos acontecimentos... enfim vamos andando como podermos, e a mim faz-me bem escrever e ler, gosto e tenho tempo. Beijos