Os nossos vizinhos partiram… a porta e janela que todos os
dias via da minha varanda logo ao levantar, mantem-se fechadas… já não se ouve,
por vezes às duas da manhã, aquela musica pimba vinda da aparelhagem, com
volume a top, e, eu, atirando areias para a janela, manifestando o
descontentamento de ser acordado do primeiro sono cujos sonhos são quase sempre
os mais agradáveis. Não havia somente alegria manifesta, dentro desta humilde
casinha, antiga, de xisto e telha redonda que deviam rondar os cinquenta anos… o
álcool que o tio Agostinho, mais conhecido na Aldeia por “sureta” trazia do
café, ingerido com excesso, ajudava a estas manifestações noturnas, e a Sra.
Conceição, não ousava contrariar o companheiro, que respeitava e acarinhava
como um filho, não lhe deixando faltar nada em detrimento de se alimentar ela
própria, com os recursos da sua magra reforma. Voltava sempre do campo com um
feixe de lenha, e o seu sequeiro tinha sempre com que fazer fumegar, nas manhãs
frias, logo cedo, a cheminé com chapéu de lata, impedindo que a fumaceira
subisse para o céu, seguindo a direção imposta pelo vento, vindo do lado do
Mogrão ou de Agrochão. Era uma casinha pouco confortável, com buracos pelas
paredes até ao telhado, o qual também deixava passar umas gotas de água, vindo
cair numa das duas peças, por vezes na cama. Sofriam os dois de asma, sendo o
Agostinho assistido mensalmente por oxigénio receitado pelo médico de família.
N’um certo dia,
estava eu a levantar-me da cama, quando ouvi, através da janela, um falatório
anormal, que um agrupamento de pessoas, fazia chegar aos meus ouvidos, e, apercebendo-me
de que algo de anormal se estava passando, abri a janela, e deparei com o “Sureta”
assentado n’um mocho junto da porta de sua casa,, e em volta algumas mulheres
perguntando umas às outras para onde o iam levar, subentendi que estivesse
morto … - levamo-lo para a Igreja? Perguntou uma das mulheres. Entrevi e
perguntei o que se passava… já não respira, gritava a Conceição a chorar…
Enquanto me vestia, pedi que fossem a casa do “falina” pedir
uma bomba de oxigénio rapidamente. Baixei a correr as escadas e logo que o moço
que foi de carro procurar a bomba chegava também, peguei nela, introduzi-a já
com dificuldade na boca do moribundo, que já se encontrava mais para lá do que
para cá, e pressionei-a por três vezes. Retirei-a com o queixo já mais flexível,
enquanto uma senhora, abanava um cartão fazendo-lhe chegar ar à boca, e por
conseguinte aos pulmões já quase adormecidos…. Começou a reagir, e liguei para
o 112, que chegou quinze minutos depois. Meteram-no no carro, e ligaram o
oxigénio. Curioso foi ouvir o “sureta” rezar enquanto era levado para o carro
de socorro, um homem que não acreditava em Deus, e jamais ia à missa nem à
Igreja… ficaram as senhoras a sussurrar o seguinte: -Quando nos vemos apertados
queremos em Deus…
O homem ressuscitou comentavam as pessoas… e ele sorria,
mais tarde, quando lhe contamos o sucedido. Vive hoje no Lar, enquanto a
Conceição minha amiga vizinha partiu para o céu um Domingo, sendo encontrada
pelo marido estatelada, sem que o companheiro embriagado lhe tivesse prestado
socorro, que ela com certeza pediu e ninguém a ouviu. Que a sua alma descanse
em paz.
2 comentários:
Tonho
Fazes bem em contar estas vidas, algumas delas muito más, porque a realidade não é sempre bonita e os nossos olhos não conseguem alcançar tudo.
Beijos
Fátima: nem sempre é fácil publicar coisas do agrado de toda a gente, e tu sabes melhor que eu... com os tempos que correm, a desertificação e as exigencias dos leitores, torna-se ainda mais fifícil, sem colaboradores, e sobretudo factos que despertem a curiosidade de visitar, mesmo que não comentem... Também as pessoas se retraem quando se pergunta alguma coisa sobre certos acontecimentos... enfim vamos andando como podermos, e a mim faz-me bem escrever e ler, gosto e tenho tempo. Beijos
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