segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Anos depois

 Homenagem sentida:
Era um homem extraordinariamente generoso… o seu sorriso penetrava os corações agrestes dos que o rodeavam… conquistava com uma calma desconcertante o universo dos que o conheciam… generoso, convivial, trabalhador, amante dos bons princípios… um homem íntegro… um pai exemplar, que jamais se esquivou às obrigações familiares, sacrificando o seu próprio sistema de vida, quando como tantos outros, em tempo útil, poderia dar o salto para o estrangeiro onde existiam melhores recursos de vida. Eram tempos difíceis, sobretudo para as famílias numerosas. Oito irmãos, filhos de pais lutadores, cujo património herdado, dava apenas para sobreviver… mas, nunca lhes faltou nada em casa… fruto do empenhamento, dedicação, lealdade, educação e sobretudo sacrifícios no dia-a-dia, e num cerco rural de escassos e magros recursos.
Patriota incondicional, foi mobilizado para o Ultramar onde cumpriu o dever cívico, guardando 
sequelas de uma guerra, da qual, como tantos outros, discordava, mas… não teve o direito de escolher, nem de manifestar a discórdia…
Conheci-o já quando ele tinha uma vida confortável, apesar das contrariedades, dos numerosos sacrifícios impostos pela luta constante de sobrevivência, dos frios invernais, do suor derramado em dias tórridos de verão, lá para os lados do Vale-Grande, entre calhaus, e no bolso uma “côdea” de pão duro servindo-lhe de merenda, enquanto não se punha o sol e voltava para casa já na escuridão da noite, atrás de duas vacas jungidas, que a passos lentos, percorriam estes caminhos sinuosos, que conheciam de cor.
Confidenciava-me ele em conversas, na sua casa, à volta de repastos copiosos… - Eu nunca fui para a França… mas, em minha casa há de tudo, e nunca deixei que faltasse nada aos meus filhos… casei-me sem um tostão…. Trabalhei muito! Hoje, apesar de não estar rico, tenho uma casa que mandei construir para abrigar a minha família, que é o que tenho de mais importante na vida – foi muito duro – continuava ele nas suas conversas das quais se podia sentir orgulhoso! As suas confidencialidades nunca excediam a descrição… não invejava este ou aquele no ter nem no ser… encarava a luta com uma força sobrenatural… amanhecia apenas, com temperaturas altas ou baixas, chuva, neve ou vento, lá ia ele tratar dos animais, preparar o trator para uma possível saída… também subia as numerosas escadas dos pais com lenha para acender o lume, quando eles começavam a dar índices de idade avançada.Recordo hoje, com grande emoção, o seu lado supersticioso referente a certos gestos ou factos, a felicidade com que abraçava a vida, e o pessimismo da fatalidade que lhe viria a dar razão.
- Coitado de fulano… está velho, e anda tão mal – dizia eu, ao que ele sempre acrescentava: - Ainda podemos nós ir antes…
Era um duro dos duros… jamais contraira uma doença a não ser, ocasionalmente gripe ou constipação. Queixava-se de vez em quando de uma dor nas costas, proveniente de uma queda que tivera no Ultramar – dizia ele.
Um certo dia começou a sentir uma dor morta na perna direita… - reumatismo ou caruncho – brincava ele ao descrever esta inesperada contradição…
Mas, a dor acentuava-se cada vez mais com o decorrer do tempo. Especulava-se ser um prognóstico do povo, daqueles que passam com “mezinhas” benzimentos e outros meios que os antigos usavam e com eles saravam.Como nada resultava, mas ele nunca dava parte de fraco, encostado a uma bengala, não deixando transparecer qualquer suspeita do calvário que estava vivendo, confidenciava apenas à noite com a esposa inquieta pela perca de peso e de visão.
Entretanto uma cunhada enfermeira, marcou-lhe uma consulta, e análises clinicas observando a anormalidade do caso. Mesmo nós que convivíamos com ele de perto,  não suspeitávamos aquela evolução tão rápida da doença. Começaram a surgir sintomas indicadores tais como: Fomos à vindima e ele disse-me a mim para trazer a carrinha, coisa que não faria tendo todas as suas faculdades; ia virar o trator e embateu contra a parede.
Poucos dias depois, estávamos no cabanal a fazer a água ardente, e durante a hora do almoço novo incidente que levou a esposa a telefonar para a cunhada contando-lhe o sucedido, a qual tratou imediatamente do seu internamento. Voltou para junto de mim e dos potes da água-ardente e apenas me disse que ia ser internado.
- Levo-o lá eu propus imediatamente.
Para quê tanta presa? – Respondeu ele – vem cá o cunhado buscar-me… e para me encher do hospital ainda vou a tempo…
Dois dias depois fui visitá-lo à enfermaria 5 de medicina. Fiquei estupefacto, apreensivo e com o coração num punho perante a visão daquele que tão rapidamente se tinha transformado num autêntico legume. As lágrimas inundaram-me os olhos, senti que o coração se me apertava, que o ritmo cardíaco acelerava, que o receio do pior me traísse, que ia soltar  gritos de quem não aceita a fatalidade do destino… porque era injusto… apesar de ser sempre injusto… ele não merecia… ninguém merece… mas não é verdade que quem decide, decide bem. Somos todos mortais pelo que devemos aceitar a justiça divina – gritava-me a consciência.
A enfermaria estava repleta de pessoas amigas que vieram visitá-lo, e, como se já não estivesse ali ninguém opinavam barbaridades deixando-me ainda mais confuso e nervoso.
Novas análises foram ordenadas para o Porto, o médico não se podia prenunciar… temia-se o pior. Nova visita alguns dias depois, desta vez restringida aos familiares. Fiquei surpreendido quando em voz alta disse para as minhas filhas: vou até lá fora tomar ar..
Fumar um cigarrito… - respondeu ele.
 Uma ténue esperança
 Invadiu o meu espírito moribundo, acompanhado de imenso prazer ao verificar que a sua lucidez se mantinha intacta. Rezei uma oração pedindo ao senhor que tivesse compaixão daquela família.
Toda esta esperança se decepou ao descer as escadas, no final da visita e o médico que o tratava nos chamou para nos dar o diagnóstico fatal.
A vida tem destas crueldades, que tanto nos fazem sofrer… não escolhe… vagueia ao acaso selecionando aquele que o destino marcou… ó quão difícil conceber nem aceitar o julgamento divino! Ò quanto ele gostaria brincar com os seus maravilhosos netinhos que apenas o conhecem pela foto… sacrificou-se tanto para eles e por eles e só lhes pode deixar como recordação a imagem de um homem com H grande!
Partista num Outono cinzento… ainda sinto o perfume das roupas que te levei àquele lugar frio, mórbido, onde os calafrios apenas me transmitiram um estado de revolta para com a vida que te roubaram…
Foste e sempre serás para mim um homem extraordinário

Que a tua alma descanse ma paz do Senhor



















2 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Uma homenagem muito bonita. Certamente está a ser-te agradecida do Céu.

Beijos

antonio disse...

Obrigado Fátima. Era uma pessoa fantástica... tinha apenas 50 e poucos anos, e esta doença má, levou-o com uma rapidez medonha.
Não somos nada neste mundo. Beijos