Ser pastor não é desprezível… pelo contrário! É honrar uma profissão em vias de desaparecimento; onde os contactos com a natureza transcendem os poderes malignos sobrenaturais que nos invadem constantemente, transformando-nos desumanamente em bichos ferozes, hipócritas, vaidosos, cínicos, desonestos.
Um dos pastores residentes neste pequeno aglomerado - de casas a ruir com o decorrer do tempo, ou em estado degradante porque seus donos fecharam a porta, alguns para jamais voltarem, outros que vem por obrigação protocolar, respeitantes à consideração pelos antepassados e os sacrifícios operados na aquisição e manutenção de um património cujos valores se transformaram em dinheiro - chamo-lhe eu respeitosamente, o homem invisível…
Deve ter por volta dos cinquenta e poucos anos. Homem de
estatura média, pacato, de poucas falas, cabelo encaracolado, olhar piedoso,
solteiro, inquilino de uma irmã e três filhos, - que o pai abandonou, segundo
relato dos moradores, n’um destes dias de desespero pela falta de meios
subsistentes, ou porque foi tentado pelo demónio, e, como tantos outros,
resolveu fugir cobardemente ao seu dever de marido, de pai, cujas razões, por
mais dolorosas que sejam, o perseguirão onde quer que esteja, inibindo-o,
julgando-o e condenando-o ao desassossego eterno – teve em tempos, segundo
consta, um viver atribulado provocado pelos efeitos do alcoolismo do qual se
redimiu na altura certa, superando a fraqueza da dependência, talvez incentivado
pela irmã, que necessitava da sua ajuda para a criação dos três filhos, de
entre os quais um é deficiente. Vejo-o raramente, lá para os lados da ribeira,
pastoreando o seu rebanho, hoje misto, de cabras e ovelhas, por entre a
densidade do arvoredo que pouco a pouco invade o que noutros tempos foi
cultivado á enxada e com os braços musculosos dos que traziam para casa carros
de uvas, por caminhos agrestes, sinuosos com acentuada elevação da gravidade. È
talvez neste paraíso terrestre que ele encontra a força de um viver disforme,
meio selvagem meio condescendente, aprazível, como as águas cristalinas que
correm serenamente, e ele fica a olhá-las tempos indefinidos, com tanta
perplexidade, como se fosse a primeira vez! Eu, já várias vezes me perguntei mentalmente,
se valeria a pena viver desta forma? Será que para viver tem que haver razões?
Augusto Branco dizia: - “ Por tanto ser deixado para trás,
aprendeu a dizer adeus… antes de ser chamado para outra vez”.
Referia-se a filhos órfãos de pais vivos… tantos casos neste
canto perdido do universo! Era orgulhoso para estes psicopatas, mostrar através
de demonstrações machistas, como um Giacomo
Girolamo Casanova, sem se sociarem das graves consequências provenientes dos
magros meios de subsistência, para as mães solteiras, deixadas na vergonha, de
um ato por vezes forçado, ou então de situações carenciadas. As Leis que regem
os seres humanos desprecavidos de responsabilidades morais e físicas, sem
princípios, mas conscientes dos seus atos dos quais só viriam a sentir remorsos
na hora da extrema-unção. Progenitor à espera de julgamento divino, porque não
é verdade que somos todos semelhantes ou iguais… talvez fisicamente?
Voltando ao
pastor que vive longe de um Mundo feroz, guardando o seu rebanho, abençoados os
humildes… aqueles que vivem n’um Mundo de pureza, mesmo que isto não seja viver…
2 comentários:
Tonho
Paisagens sublimes, estas que nos mostras.
A vida não precisa de justificação. Existe-se e pronto, tem-se direito à vida. O modo de existir de uns pode ser insuportável para outros, o que não significa que seja desagradável para quem o vive. Todos, no entanto, devíamos ter direito à presença e ao carinho de um pai e de uma mãe. Quando falha algum é quase sempre o pai e, normalmente, por maus motivos. Há muitos homens que têm muito para andar no caminho dos valores humanos.
Beijos
Fátima: não vejo o que possa acrescentar ao teu comentário... haveria sem dúvida opiniões que convergem no sentido justo, como também as haverá que divergem sabendo que todos temos a nossa personalidade e que nem Deus agrada a todos. Enche-me de raiva o abandono dos seres humanos que não pediram para nascer, e os seus progenitores são inconscientes ou "malfazejos", sem moral nem sentimentos.
Obrigado pela visita amiga e por opinares sobre o assunto.Beijos
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