capitulo II
Segunda-feira do mês de Dezembro 1968. Ainda bem cedo,
levantei-me, preparei-me e fui tomar o Metro a cerca de 150m da Cité des fleurs,
na estação Brochant. Tomei a precaução de antes, verificar no grande mapa as direções
a tomar, onde devia mudar, e meia hora depois, entrava na estação Saint Lazare,
para tomar o comboio que me levaria até Les Muraux, como tinha ficado previamente
combinado com os compatriotas. Levava o endereço escrito num papelucho, que tendia
aos passantes, os quais com muito custo me iam orientando, porque a distancia
dos trabalhos e o lugar não eram ainda bem conhecidos dos moradores. Porém,
cheguei ao local, e as primeiras impressões foram de desalento… havia um
barracamento alinhado, duas grandes gruas, homens de variadas raças, trabalhando
nas suas especialidades… construía-se um Liceu de três andares. Fui logo
abordado por um dos numerosos trabalhadores que me perguntou sem rodeios o que
procurava. – Venho falar co o Sr. … com o chefe.
-Qual deles?
O…
-É comigo gritou de longe o “pisco.”
Levou-me para uma barraca que servia de escritório, e n’um Francês
aportuguesado, explicou a situação ao superior, condutor de trabalhos. Pediu-me
os documentos (BI) e ordenou que podíamos ir, ficando tudo ao encargo do
contabilista.
Voltando-se para mim, o chefe de equipa, reconfortou-me
dizendo:
- Aqui estás à vontade… se precisares de alguma coisa, ou se
houver problemas é a mim que tens a dizer, que eu resolvo… como sabes já
trabalha cá o pintassilgo, o Moisés, o Domingos, e outros que eu trouxe… que
sabes fazer?
Sem saber que responder a tal pergunta, e não querendo
comprometer a minha admissão, demorei a responder, e o meu interlocutor adiantou:
- Aqui toda a gente faz tudo… se não sabe, aprende… vamos
lá.
Levou-me para junto do Domingos, o mais especializado,
veterano naquelas andanças. Por detrás de uma placa de cimento vigiava os meus
movimentos, chegando com certeza à conclusão mais plausível, que era eu nunca
ter visto os trabalhos da construção civil… segurava as escoras metálicas com
tanta delicadeza e receio de sujar a camisola, que o “pisco” não esteve com
meias medidas: aproximou-se de mim, arregaçou-me as mangas, e, com as mãos
cheias de óleo queimado passou-as pelos meus membros superiores, ao mesmo tempo
que acrescentava: - quem quer ser pescador tem que se lançar ao mar…
Fixei-me na barraca dos da terra, onde havia
instaladas quatro camas, sobrepostas, uma banca para cozinhar, e um fogão de
duas bocas pertencente aos compatriotas. Cada um de nós deveria fazer as
compras e cozinhar segundo os meios e possibilidades, embora, como era recém-chegado
me tenha sido proposto empréstimo de algum dinheiro para as primeiras
necessidades, e se quisesse comer juntamente com eles teria de participar nas
tarefas, das compras, cozinhar, e lavar a louça. A barraca prefabricada possuía
o mínimo conforto, água,
luz, e aquecimento, servindo a mata próxima para outras
necessidades, para os que não queriam usar o quarto de banho improvisado, para
o banho e WC.
Todos estes trabalhos realizavam-se no alto de uma pequena
colina, distante do aglomerado de casas de cerca de 2km.
A minha adaptação não foi fácil, mas, com a ajuda dos
amigos, consegui aprender a cozinhar, (sobretudo ovos mexidos com batata
frita), e as compras nos supermercados facilitavam-nos a taxa da linguagem.
Foram seis meses passados, tempo obrigatório do contrato, também para se obter
uma carta de “séjour” de “ travaille” e de segurança social.
O trabalho, pouco a pouco, aprendemos a fazer de tudo, e
entretanto tinha chegado também o Nelzeira e o Zé, este último tendo passado
por numerosas e complicadas dificuldades, ao ponto de ter de falsificar o seu
BI porque não tinha ainda 18 anos, e como tal não lhe era permitido trabalhar
em solo Francês.
Foram seis meses passados com altos e baixos. O racismo
levava os jovens a travar numerosos confrontos de agressão física e moral,
alguns deles provocados pela comunidade Portuguesa, que não respeitavam as
regras do Nacionalismo, nem tentavam esforçarem-se pela integração cívica que
se impunha. Por tudo isto, foram muitas as vezes em que a policia nos visitou
alta noite, nas barracas, pedindo a identificação, e alguns dos mais atrevidos,
dormiram na jaula. Para mim, integro defensor dos bons princípios, pacifista
por natureza, sentia-me mal, entre dois “clins”, tentando sempre distanciar-me
dos contenciosos por duas cascas de alho, tendo como objetivo primordial,ganhar dinheiro, e economizar o mais que possível para ajudar os meus
familiares deixados em Portugal. Voltei nas primeiras férias, após contrato concluído,
com 50 contos nos bolsos, os quais serviram para erguer as paredes da casa de
minha avó que tinha ruido com o inverno, onde viviam meus pais.
Gostava deixar uma homenagem muito sentida ao Domingos,
rapaz extraordinário, que faleceu por estas terras, vítima de doença insuficiência
renal, e ao Moisés que se salvou da broncopneumonia, após longo internamento no
hospital de Melun. Fostes para mim seres incomparáveis de bondade, dedicação
alegria de viver, mas sobretudo de uma ajuda que jamais esquecerei.
2 comentários:
VIVERES
É um regalo ler!
Este parte, aquele parte
e todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
que possam cortar teu pão
Tens em troca
órfãos e órfãs
tens campos de solidão
tens mães que não têm filhos
filhos que não têm pai
Não sabia, que o Nelzeira tinha estado em França!
Um grande abraço Antonio
Obrigado Sr.(a) Anónimo.
Belo poema de Manuel Freire, para colmatar ausencias, e relembrar os efeitos resultantes da Emigração...
Sim o Nelzeira esteve em França... pouco tempo, mas, esteve conosco.
Abraço também para si e bem-haja pela visita, comentando.
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