gotas de suor dos malfadados, e em 1962, quando já morava na
sua rica casa acabadinha de construir, adoeceu, falecendo nesse mesmo ano,
deixando para trás os adquiridos honesta e desonestamente, com remorsos de consciência
ou sem eles, não me sendo possível pronunciar, nem sequer fazer um julgamento,
mesmo tendo assistido ao seu fechar de olhos definitivamente, junto do leito
onde o P.e João lhe administrou a extrema-unção, e eu de bata branca e a cruz
na mão o assisti.
Nesse mesmo ano, tinha o P.e João abandonado a casa de
residência paroquial, situada junto do cruzeiro, próxima da Igreja, e foi viver
com a mãe, uma santa mulher, a irmã D. Denérida na casa grande da qual era
proprietária por herança, que exercia a profissão de professora primária em
Espadanedo, e só vinha passar os fins-de-semana e férias. A pequena Angelina,
oriunda de Penhas Juntas, foi, tal como eu, adotada para acompanhar a Sra. Professora
nas suas deslocações por caminhos enlameados, sinuosos, e extremamente frios
através da serra Mourisca onde jaz a fraga dita do “berrão” e as intempéries
assustavam o mais corajoso dos humanos. As minhas funções eram de acompanhar o
Sr. P.e, fazer os recados da casa,enquanto fermentava a ideia de ir a estudar para padre, desejo profundo da bondosa e caridosa D. Denérida, cuja reputação como professora não foi das melhores, segundo contam alunos seus de Espadanedo e arredores, e ainda os de Murçós que fizeram exames de 3ª e 4ª classe com ela, porém todos nós sabemos que a disciplina e o rigor existentes nestes tempos deram bons frutos, embora com alguns exageros…Como humanista foi , tal como a mãe, uma madre teresa exemplar, ajudando os pobres, mas sobretudo, ao retirar todo o efeito ás centenas de letras, que jaziam no fundo da “burra” de ferro, queimando-as após a morte do seu marido. Trabalhavam na casa, no serviço doméstico, duas raparigas, ambas naturais de Penhas Juntas, que acompanharam o P.e João da Trindade Alves após a sua transferência
solicitada para vir substituir o P.e Amilcar, transferido
recentemente por razões de mera importância, a D. Irene que casou e seguiu a
sua vida, e a Luzia solteira, competente, desenvolta bastante agarrada á pouca família
que lhe restava, um irmão por parte da mãe, que permanecera em África após o
serviço militar, e escrevia raramente para dar noticias, e a própria mãe a seu
encargo quando já velhinha… os caseiros, durante alguns anos, a tia Isaura e o marido,
tio Bernardino, homem de tempera que lhe fazia a vida negra com maus tratos,
como aliás a maioria dos homens destes tempos rudes, a fazia levantar par ir
trabalhar no dia seguinte a um dos vários partos, e ela obedecia sem manifestar
fragilidade, nem protestos que só lhe
podiam acarretar mais dissabores… Trabalhava, ou melhor, jardinava, quase por
caridade, o Sr. Guerra, já com certa idade, carenciado, vindo não se sabe de
onde, com quem tive conversas de adolescente para um homem da escola do mundo,
que sempre me deu bons conselhos, e me prometia que um dia seria alguém na vida…
Uma cavalgadura de grande porte, manhosa e má como as mulas,
servia para o transporte dos géneros alimentícios, dentro de duas alforges, que
eu todos os fins-de-semana, ao Domingo pela tarde, ia acompanhado da moça e da
professora, levar a Espadanedo, á casa de funções contígua à escola junto da
igreja, onde uma rapariga demente, despida e descalça vinha vezes sem fim puxar
as cordas do sino, e me metia medo, obrigando-me a fugir daquele local ás
quatro patas, depois da missão cumprida. Mais tarde soube que teria sido
internada, mas guardo ainda hoje na minha memória a imagem de uma rapariga
selvagem de cabelos soltos ao vento, eriçados e sujos, completamente nua, rosto
coberto de raiva que nem a sujidade podia esconder… era a demente que todos
conheciam salvo eu…
Montado naquela cavalgadura parecia um pintassilgo na ponta
de uma árvore! Um certo dia ao chegar perto se Soutelo Mourisco deu-lhe a
pancada que tinha de vezes em quando, e não fosse o freio que apertei com todas
as minhas forças ter-me-ia deitado para o chão, tal o estado de esquizofrenia,
se assim se pode dizer de um animal, a tornou completamente louca, saltando aos
pinotes, levantando as patas da frente, abrindo grande a boca. Capaz de me
matar, furiosa como um touro bravo daqueles que se veem nos filmes Americanos. Consegui
puxar a corda e prende-la a um cerdeiro junto do caminho, e sabendo que o tio
Ernesto tinha um irmão a residir em Soutelo a quem chamavam de nomeada o “soquinhas”,
perguntei pela casa dele e veio em meu auxilio, não podendo fazer grande coisa
para domar o animal, propondo-se a guarda-lo até ao dia seguinte numa das suas
estrebarias, e que disse-se ao Sr. P.e para mandar um adulto recuperá-lo. Estas
e outras peripécias passadas em Soutelo e Espadanedo, que conheci nestas circunstâncias
enquanto puto, não previam a minha vinda a residir para perto onde hoje tenho
amigos, e recordo com nostalgia estes tempos loucos da minha adolescência.
4 comentários:
Tonho
As nossas memórias são o nosso cofre-forte. É nelas que vamos buscar as forças para prosseguir a jornada da vida e ensinamentos para discernirmos o bem do mal. Hoje voltei a aprender muitas coisas contigo. Obrigada por isso.
Beijos
Olá Fátima! Tens razão, como sempre... eu cá vou rascunhando para eliminar o isolamento pelo qual optei por razões pessoais. A azeitona apesar de dificil, fez-me bem passar no campo o dia todo entretido, pois já não me apetecia ver nem fazer nada.
Obrigado pela visita e se não nos virmos no Natal desejo-te desde já um Santo dia passado em companhia dos que te são queridos. Beijos
Sr. António,
Eram tempos muito difíceis os de antigamente! Mas, recordo-os com muita saudade. Lembro-me muito bem da Luzia, da Irene e do Sr. Guerra, trabalharem em casa da Sr. D. Denérida, assim, como me recordo também da taberna do Sr. Ernesto. Mais tarde, penso que foi quando a Irene saiu para casar, quem ocupou essa vaga foi a Angelina. A Senhora Isaura, passou muitos maus bocados o Sr. Bernardino, passou! Eu andava lá por casa deles, pois era amiga da filha mais velha deles, da Denérida.
Pensava, que o Sr. Ernesto, tinha gozado a casa nova mais tempo. O ditado lá diz. " ninho feito, pássaro na coba".
Continue a maravilhar-nos com as suas memórias Sr. António! A si, faz-lhe bem em escreve-las, e a mim faz-me bem lê-las, pois as suas memórias também são as minhas.
Um grande abraço
Olá amiga serrana! Vou chamara-lhe pelo pseudónimo que escolheu respeitando a sua opção, mesmo tendo a certeza que nos conhecemos bem... esse(Sr.) creio estar a mais... se realmente era amiga da Denéreida que tinha dois ou três anos menos que eu, por certo nos conhecemos bem?
Quanto aos meus rascunhos, estou-lhe imensamente grato por dedicar o seu tempo a ler...é verdade que vivemos um pouco das nossas memórias dos tempos que não fomos previlegiados, e, podemos por vezes saltar episódios, como o do pouco tempo que o Sr. Ernesto gozou a nova casa,tenho como ponto de referencia a minha chegada àquela casae recordo-me da antiga com o carismático pátio e as escadas de cantaria assim como a taberna que creio só lá ter entrado uma vez com os meus 6 anos.
Ficarei eternamente grato à Sra. Virginia minha segunda mãe durante 5 anos, à D. Denérida pela bondade mas sobretudo porque tentou fazer de mim a seus custos um representante de Deus na terra, de onde guardo educação, principios e valores apesar do seu sonho se não ter concretizado, ao P.e João pelo que me snssinou da vida, e às numerosas familias desfavorecidas ou não cuja estima e consideração nunca arredaram pés da minha memória.Rebordainhos será para sempre o berço que me embala e me torna feliz. Bem-haja pela visita, receba os meus cumprimentos respeitosos
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