sexta-feira, 15 de abril de 2016

Esperando a morte

Olhando fixamente o vazio, assentados em cadeiras de rodas, imóveis pelo cansaço, ou imobilizados pela demência, assim estão, como quem olha a imensidão do mar, horas, dias, meses, os últimos anos que a vida lhes legou… torturados pelo sofrimento físico e moral, envolvem-se em pensamentos de uma atrocidade desumana, que lhes vai minando os corações como uma lâmina afiada, lentamente, mas, tão dolorosa, que uma lágrima, de vez em quando, se solta, deste olhar piedoso, atravessa o rosto enrugado, e desaparece no canto da boca, tal um sonho em noite de pesadelos… ali vieram parar! Não foram de todo abandonados… recebem telefonemas, uma visita por semana, mês ou ano…sinal do dever cumprido, porque já não são pais de ninguém, apenas obstáculos à realização de projectos… também deixaram de ser avós, seus netos sentem vergonha e até repugnância pelos gestos descoordenados, pela falta de autonomia, e pouco tempo a perder com farrapos velhos, cuja hora de partida tem apenas adiamento… depois, como tantos outros, irão fingir junto do caixão, com um ramo de flores na mão, olhos tapados com óculos de sol, uns gritos fictícios de dor para confundir a sensibilidade dos que vêem apresentar os seus pêsames, por obrigação ou consideração.
Sem atrasos prepara-se a reunião para definir a divisão dos bens. Tal como foi repartida pelos algozes que mataram Jesus, a sua túnica…. Não se entendem, pois todos querem mais e mais. Ralhos, insultos, ameaças, vale tudo para atingir objectivos que vinham havia tempos, sendo conversa familiar… não valeu a pena sacrificar-se! Onde se refugia a educação que naqueles longos dias de inverno foi transmitida carinhosamente? Será que se esqueceram dos tempos em que retiraram o naco de pão da boca, para ser repartido? Esquecer é tão fácil! É útil, mas a maior das cobardias. Fostes tão amados! Acariciados protegidos… nascidos em berços dourados, ou em camas de palha, fostes recebidos com alegria e amor, orgulho e admiração, e hoje? Também sois pais… o tempo passa tão rápido! Chegará a vossa vez… os maus tratos nos hospitais, o desprezo nas ruas, a compaixão reflectir-se-há no vosso próprio espelho…quando vossos filhos vos levarem para fora de vossas casas e disserem: aqui ficam bem… nós pagamos… o preço da infelicidade, do sofrimento, enquanto não chega a morte

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