terça-feira, 31 de maio de 2016

Da minha janela

 Da minha janela, que já foi varanda com floreira, e hoje com ares de “marquesa,” vejo os primeiros raios solares, a neve que cai num silencio apaziguador, a chuva batendo ferozmente nos vidros de tempestade, oiço o vento uivar as raposas regougar, os pardais fazendo o ninho e as andorinhas junto ao beiral; vejo as osgas deslizar suavemente nas paredes caiadas de branco, e uma velhinha que na rua passa, e na brancura da neve deixa a traça, de miudinhos passos em ziguezague. Em noites tórridas de verão ouço as cigarras cantar, e no silêncio profundo das noites estreladas, vou à janela e ponho-me a imaginar: do outro lado da serra está uma alma a penar. Cavo um túnel para me aproximar. Com lágrimas e suor, avanço a passo de tartaruga. O meu corpo desliza como uma toupeira, mas é tão longe! Talvez me tenha enganado no caminho? Invade-me o desejo de voltar para trás. As forças começam a faltar… sinto-me tão só e tão distante! Não vejo quem me deu a luz ao fundo do túnel…
 
perseguem-me as víboras para me picar, vejo tanta inveja no olhar! Há procissões a passar. Gente de fé, povo de Deus, dos santos anjos e arcanjos… hipócritas que cospem no chão. A rua está deserta. Ladra um cão, canta um galo, está tão perto o amanhecer! Será mais um longo dia de solidão. Rejubilam os paralelos enfeitados com pétalas de flores de todas as cores. Não chega às minhas narinas aquele perfume que do outro lado do túnel sentia… vejo-me menino jogando à bola nas “estrumeiras.” Bola de farrapos, outros jogam à bilharda junto daquele barranco… o pingue salta. Mas que lindo pião feito de amieiro? Dois putos jogam a queda. Que bom voltar aos tempos de menino! Foram tantos e tão grandes os percalços que a felicidade superou! Hoje vivo encurralado e acorrentado pelo dever de pai e esposo. Preciso de ar para não sufocar… ninguém me compreende. Deixei de ser eu, e amanhã quando a morte vier, não quero choros nem velório… flores nem pessoas que fingem chorar. Se não for muito pedir, 
levem-me para o outro lado do túnel discretamente. Não queria mais incomodar… então as más-línguas poderão falar. E até perguntar: Quem sou de onde venho, se sou honesto, honrado… ou simplesmente o mal-amado! Pela minha janela entram os primeiros raios solares. Anuncia-se um dia lindo! Todos os dias são lindos! É à noite que “ les oiseaux se cachent pour mourir”, longe dos olhares indiscretos, envejosos, enfeitiçadores. Também existiram noites repletas de sonhos lindos, de magia, amor, carinho, felicidade. Como é triste envelhecer com a ideia de não prestar para nada?


2 comentários:

Anónimo disse...

Viva rapaz,
continuas um jovem.
Olha diz-me como se chamava o último regedor de Soutelo que o meu pai contou-me uma engraçada acerca dele. Se conseguires saber que tipo era e qual era o seu feitio diz-me para fazer enredo.

Depois mando-te.

Obrigado
Orlando Martins

antonio disse...

Olá Orlando! Pois esse senhor que conheci bem, e se não estou errado, chamava-se:LUCIANO ... ERA UM HOMEM DE MEIA ESTATURA, VAIDOSO OU ORGULHOSO, AMBICIONANDO UM ESTATUTO DE LIDER QUE LHE FOI CONFERIDO PELO POVO NOMEANDO-O REGEDOR. VIViA JUNTO AO CHAFARIZ DE UM LINDO TANQUE, E GOSTAVA CONVERSAR COM PESSOAS CULTAS, ERA, CREIO EU O PAI DO TONIHO, E A SUA HISTÓRIA, QUE POR CERTO FOI A QUE TE CONTOU O TEU PAI, ANDOU E CONTINUA A ANDAR DE BOCA EM BOCA, QUANDO SE FALA EM SOUTELO E O SEU REGEDOR. TERIA ENTRADO EM MAIS PORMENORES SE TIVASSE O TEU e-mail. mas aguardo com espetativa a tua obra. Abraço e bem-hajas pela estima e dedicação. Abraço