Por António Brás
Os tutoriais de um tempo revogado que infringiam,
sobretudo às classes proletárias, preceitos conjunturais compulsórios diminuíam
percentualmente a Acão reativa dos seres humanos submergidos pela soberania e
pela fobia que os perseguia até aos sonhos maliciosos em noites de insonolência,
triturados por deveres e obrigações, deitados em colchões de desconchego, uma
simples manta de farrapos, em noites invernais, barriga a dar horas, e a
responsabilidade de criar numerosos filhos martirizava-lhe o vulnerável
cérebro.
Na casa que os pais de
Carlitos compraram e ofereceram aos noivos, discretamente isolada, murada e com
um lindo jardim, mobilada e recheada com o necessário para poderem viver
despreocupadamente, não reinava grande euforia e muito menos felicidade como
Paula sua esposa esperava. No início, quando voltava da faculdade de economia,
encontrava o marido de péssimo humor, ou estava ausente até muito tarde, era já
noite quando regressava com justificações esfarrapadas, ou que tinha estado em
casa dos pais e se demorara sem ver o tempo passar. Numa dessas noites, Paula
esperava-o radiante. Vestia um vestido decotado de cor azul céu, calçou os
sapatos de salto alto, tinha ido ao cabeleireiro arranjar o cabelo com
madeixas, e sorria como quem se sente felicíssima, o que deixou logo o marido
de pé atrás.
Sem pronunciar uma única palavra esperava ali
hirto, mas a esposa fez durar o suspense até que por fim: - Vais ser pai meu
querido!
Não obteve do marido a reação que esperava, pelo
contrário Carlos parecia petrificado.
- Não ficas feliz com tão linda noticia?
- Eu… Não será demasiado cedo… tínhamos a vida toda
pela nossa frente…
- E temos para dar carinho, amor e uma educação
como nos compete.
- E essa mascarada para que foi?
- Para ti meu amor… e se concordares íamos jantar
fora para celebrar?
Carlos aquiesceu, para não levantar suspeitas sobre
o adultério que consumava secretamente com Júlia, nos recantos mais escuros que
ambos conheciam, enrolados como amantes sem se sociarem das consequências
provenientes de atos irrefletidos, como dois adolescentes perdidos pela paixão.
Durante a refeição esteve alheio às conversas da esposa que iam bater sempre no
mesmo: a felicidade de estar gravida do homem que amava e com o qual queria
formar uma família igual a tantas outras. Porém para Carlos era um fardo que
até podia por em causa o seu amor secreto.
Voltaram para casa ainda cedo, a criada esperava na
cozinha caso necessitassem de alguma coisa. – Vai-te deitar Gertrudes, que eu e
o meu marido precisamos de privacidade, - disse Paula com voz apreensiva.
Quando estavam sós no salão deu-se a explosão esperada.
– Carlos; disse Paula em tom suave. Conta-me tudo o que se está a passar contigo.
Lembra-te que me prometeste lealdade e fidelidade há apenas um mês naquela
igreja onde ambos fizemos o mesmo juramento… não eras assim antes de casarmos!
Porque razões adventícias te tornaram um homem frio, insensível, distante,
intangível, enfim vives como um robô manipulado e desinteressado de tudo e de
todos. Nem o privilégio e a felicidade que Deus te concede poderes ser pai te
faz reagir? Onde está o homem que eu conheci? Deitamo-nos na mesma cama, e pior
que dois estranhos nem sequem fazemos amor! Tens sempre uma razão esfarrapada,
e eu tolerante, aguardava na esperança de que fosse apenas uma passagem de
estado de espirito, mas hoje deste-me razões suficientes para desconfiar da tua
sinceridade para comigo. Por amor de Deus conta-me. Quero ajudar-te Carlos meu
querido…
- Que ideias são essas que apodrecem essa
cabecinha? Eu sou o mesmo. Tu também passas o teu tempo na faculdade… como
queres que ocupe o meu tempo? Não é verdade que não fazemos amor, a prova está
nesse bebé que vem aí…
- Oh Carlos! Se é só por isso posso congelar o meu
curso?
- Não, isso não. Eu vou tentar estar mais presente
e ser o marido ideal como tu gostas.
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