sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Destinos e destinados

 Destinos e destinados
Por António Brás
Os tutoriais de um tempo revogado que infringiam, sobretudo às classes proletárias, preceitos conjunturais compulsórios diminuíam percentualmente a Acão reativa dos seres humanos submergidos pela soberania e pela fobia que os perseguia até aos sonhos maliciosos em noites de insonolência, triturados por deveres e obrigações, deitados em colchões de desconchego, uma simples manta de farrapos, em noites invernais, barriga a dar horas, e a responsabilidade de criar numerosos filhos martirizava-lhe o vulnerável cérebro.
Na casa que os pais de Carlitos compraram e ofereceram aos noivos, discretamente isolada, murada e com um lindo jardim, mobilada e recheada com o necessário para poderem viver despreocupadamente, não reinava grande euforia e muito menos felicidade como Paula sua esposa esperava. No início, quando voltava da faculdade de economia, encontrava o marido de péssimo humor, ou estava ausente até muito tarde, era já noite quando regressava com justificações esfarrapadas, ou que tinha estado em casa dos pais e se demorara sem ver o tempo passar. Numa dessas noites, Paula esperava-o radiante. Vestia um vestido decotado de cor azul céu, calçou os sapatos de salto alto, tinha ido ao cabeleireiro arranjar o cabelo com madeixas, e sorria como quem se sente felicíssima, o que deixou logo o marido de pé atrás.
Sem pronunciar uma única palavra esperava ali hirto, mas a esposa fez durar o suspense até que por fim: - Vais ser pai meu querido!
Não obteve do marido a reação que esperava, pelo contrário Carlos parecia petrificado.
- Não ficas feliz com tão linda noticia?
- Eu… Não será demasiado cedo… tínhamos a vida toda pela nossa frente…
- E temos para dar carinho, amor e uma educação como nos compete.
- E essa mascarada para que foi?
- Para ti meu amor… e se concordares íamos jantar fora para celebrar?
Carlos aquiesceu, para não levantar suspeitas sobre o adultério que consumava secretamente com Júlia, nos recantos mais escuros que ambos conheciam, enrolados como amantes sem se sociarem das consequências provenientes de atos irrefletidos, como dois adolescentes perdidos pela paixão. Durante a refeição esteve alheio às conversas da esposa que iam bater sempre no mesmo: a felicidade de estar gravida do homem que amava e com o qual queria formar uma família igual a tantas outras. Porém para Carlos era um fardo que até podia por em causa o seu amor secreto.
Voltaram para casa ainda cedo, a criada esperava na cozinha caso necessitassem de alguma coisa. – Vai-te deitar Gertrudes, que eu e o meu marido precisamos de privacidade, - disse Paula com voz apreensiva.
Quando estavam sós no salão deu-se a explosão esperada. – Carlos; disse Paula em tom suave. Conta-me tudo o que se está a passar contigo. Lembra-te que me prometeste lealdade e fidelidade há apenas um mês naquela igreja onde ambos fizemos o mesmo juramento… não eras assim antes de casarmos! Porque razões adventícias te tornaram um homem frio, insensível, distante, intangível, enfim vives como um robô manipulado e desinteressado de tudo e de todos. Nem o privilégio e a felicidade que Deus te concede poderes ser pai te faz reagir? Onde está o homem que eu conheci? Deitamo-nos na mesma cama, e pior que dois estranhos nem sequem fazemos amor! Tens sempre uma razão esfarrapada, e eu tolerante, aguardava na esperança de que fosse apenas uma passagem de estado de espirito, mas hoje deste-me razões suficientes para desconfiar da tua sinceridade para comigo. Por amor de Deus conta-me. Quero ajudar-te Carlos meu querido…
- Que ideias são essas que apodrecem essa cabecinha? Eu sou o mesmo. Tu também passas o teu tempo na faculdade… como queres que ocupe o meu tempo? Não é verdade que não fazemos amor, a prova está nesse bebé que vem aí…
- Oh Carlos! Se é só por isso posso congelar o meu curso?
- Não, isso não. Eu vou tentar estar mais presente e ser o marido ideal como tu gostas.



  

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