terça-feira, 28 de junho de 2022

Dia de sorte50+1

Dia de sorte 50+1 por António Braz Foram as férias de quem pensa estar a sonhar, e receia acordar envolvido em papeis, reuniões, e olhares suspeitos que nos contraem e avivam para uma realidade penosa onde os mistérios rivalizam e ganham sempre. Pareceu-lhe ouvir bater levemente à porta do seu quarto, vestiu o “robe de chambre” em seda azul turquesa, meteu os pés nos chinelos que o avô lhe emprestou, e a passos lentos foi abrir. Era o avô que encostado ao batente da porta fixando-o de olhos molhados, um sorriso meigo e terno, numa perplexidade hilariante sem que as palavras encontrassem o sujeito da sua visita, e o mágico encanto prendendo-o à felicidade que tanto desejava para o neto retinham-no num desejo eterno. -Então… avô? Não se sente bem? -Pelo contrário filho, é a felicidade que me retém e que gostaria que fosse eternamente. - Francisco emocionou-se, porém perguntou: Já são horas de tomar o pequeno almoço? Sim… não, os teus pais esperam-te na sala de visitas… Recuso ver uma mãe que já não tenho, assim como um pai do qual desisti, há já muito tempo. A minha família vive nesta casa, não preciso de outra. - Sabes quão ingrato é não saber perdoar. Não sabes? Também veio o teu filho, já quase um homem, que tem os teus atributos e não tem culpa de nada. Francisco reviveu em poucos minutos toda a sua vida; um viver que coroava de espinhos o que podia ter sido um mar de rosas. Não ousaria contrariar o avô, tanta estima e carinho lhe dedicava. Constrangia-o aquela situação que jamais pensou vir a acontecer. Pediu ao Avô que entrasse e se assentasse numa poltrona junto dele esperando chegar a um consenso. Já instalados, segurou-lhe as mãos tremulas, e num ímpeto de carência, de amor e carinho, segurou-as com tanta força, enlaçadas nas suas, como quem receia perder a única razão de viver, neste mundo de injustiças. Depois beijou-lhe carinhosamente aquele rosto enrugado, que o passar do tempo se encarregou de esbanjar, e os diversos problemas que foram surgindo acompanharam uma caminhada pesada, mas da qual se podia orgulhar. Finalmente foi quebrado o silencio, e Francisco disse: - O Avô sabe que eu nunca lhe desobedeceria, nem por tudo quanto há no mundo… Porém, após a conversa que vamos ter a meu respeito, a qual sei que o tem envelhecido, e provocado noites sem dormir, aceito que o meu filho me venha visitar ao quarto com o qual vou conversar de humano para humano. Quanto aos meus progenitores, diga-lhe apenas que nos perdemos para sempre. - Filho? Um dia vais ter de esquecer o passado e ponderar para voltares para o seio familiar, cuspindo esse rancor que não é propriamente teu. Não podemos viver eternamente sós, e perdoar é um gesto maravilhoso que só nos engrandece. - Talvez um dia avô…. Quando me sentir preparado. Tenho-os aos dois meus queridos avós, e no meu quarto, ajoelho diante de um retrato gigante, o vosso, para rezar, todas as noites antes de dormir. O avô não resistiu a tal revelação, uma dor sufocava-lhe o peito enquanto os olhos derramavam lágrimas que corriam a fio até se desfazeram nos cantos da boca trémulos e já quase sem elasticidade. - Avô. Avô, sente-se bem? - Já passa meu filho… os anos não perdoam. Dá-me só um copinho de água e vamos lá à conversa que ficou suspensa naquele dia no jardim. - Como deve ter compreendido, eu nasci diferente das outras pessoas. Foi talvez uma punição ou um erro de gestação, contudo, sacrificar-me-ei até ao fim da minha vida para salvar a reputação familiar. - Será que a reputação vale o teu sacrifício? Tu não tiveste culpa de nada, foi um dia de azar… milhares de pessoas lidam com situações idênticas, atirando para trás preceitos e complexos destrutivos, tu és tu e o resto que importa? - A minha luta foi severa, mas consegui superá-la. Fui obrigado a abandonar a casa que me acolheu e me deu tudo o que tenho hoje por razões que não vale a pena detalhar. Hoje vivo numa linda casa, não tanto como esta, com jardim, e uma empregada que vem todos os dias fazer limpeza, comida, compras e tudo o que necessito. Tenho um emprego maravilhoso que adoro, um automóvel na garagem de que preciso mais? - De convencer-te a ti próprio do que és e vales, e não deixar que os julgamentos alheios te afetem e apodreçam a vida. Promete-me que vais ponderar e tentar encontrar a felicidade que mereces, mesmo que pagues o preço dos julgados inocentes. Prometes? Sim Avô prometo. E agora por favor mande subir este rapazola que também está inocente do que lhe aconteceu. - E que digo aos teus pais? - Que aguardem que eu termine a conversa e podem partir descansados, estou bem. Aquele homem sage saiu de cabis-baixo e passos reticentes, e logo de seguida ouviram-se umas pancadas tímidas na porta do quarto de Francisco. - Entra respondeu este levantando-se para acolher pela primeira vez o seu filho que nunca desejou, mas o destino colocou no seu caminho e responsabilidade, dignamente. Tinha já quinze anos, era alto e de feições admiráveis, que o revia a si mesmo no espelho, uma certa timidez, e pouco à vontade dava-lhe um nervosismo aparente. - Assenta-te que precisamos conversar. O rapaz obedeceu, sem balbuciar palavra. -Sabes que és meu filho? O rapaz respondeu afirmativamente com um aceno de cabeça. - Quero que te sintas à vontade junto de mim e me fales do que tem sido o teu viver já que o resto suponho te tenha sido dito pele tua mãe. - De que resto? Francisco sentiu-se furioso e ao mesmo tempo piedoso com o filho que ignorava a história de princípio ao fim. - Que mesquinhez meu deus.

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