domingo, 5 de junho de 2022

Terras bravias

Terras bravias. Que o poder de uns braços franzinos e o suor de caras enrugadas, pelo calor abrasador de um vento gelado vindo dos lados de Espanha, tornaram lentamente num lugar sagrado onde se vivia com pouco pão, umas batatas salteadas, em casas de pedra cheias de buracos, hospedaria das ratazanas, passeando de um lado para o outro como quem passeia hoje na avenida da Liberdade, a ver saltitar as pulgas abrigadas com o calor humano em camas vetustas sem lençóis, uns virados para a cabeceira os outros para os pés, e quando raiava o sol nas varandas corrompidas, assentados em tripeças rengas que as brasas da lareira iam comendo sem mastigar, com os cabelos molhados, as mulheres passavam os pentes finos, extraindo dezenas de piolhos alojados confortavelmente até que fossem esmagados nas unhas sujas e negras dos dois polegares, o que de bem pouco servia, era apenas a ida para uns e a vinda de outros que em filas de espera aguardavam a oportunidade para se instalarem gratuitamente para sobreviver; como as malgas e talheres, oferta de quem já tinha melhor, mas que remediavam os outros, aqueles que herdaram vestígios, dos que em tempos eram vivendas honradas e consideradas, mas que por obra do destino se tornaram miseráveis. Gentes de raça que lá viveram na alegria dos cantares de verão sorvendo anseios, beliscando desejos, satisfazendo desígnios que a sociedade densa e parca urdia, tecendo-a em teares destituídos pelo tempo e pela prestabilidade compulsória que os mais opulentos decretavam ao abrigo das suas próprias leis, cujos direitos eram vetados e as palavras censuradas mesmo que a razão os acompanhasse durante os poucos passos que davam, terminando sempre em becos sem saída. Quem ignora vive uma alegria coagida, a felicidade esporádica de quem avança recuando, acomodando-se com coberturas que deixam os pés de fora, e a cabeça, essa passa horas e horas ao relento alimentando insónias que o desespero incentiva, deixando tantas pontas soltas que a imaginação impotente, tenta, mas sem sucesso unir num sonho maravilhoso, como nos contos de fadas, onde todos somos iguais, temos os mesmos prazeres, rimos, choramos e cantamos unidos pela essência. Já não reconheço essas terras, onde nasci e onde me abriguei, nem as pessoas que lá vivem. Outrora, cada vez que as percorria, sentia um acelerar de bater do coração, um prazer imenso que hoje me empurra para a aversão, indignado, ferido pelos que um dia considerei, respeitei e até travei aquilo que chamam grandes amizades e que eu, ingénuo, também pensei que fosse assim, confidenciando-lhes fatos importantes da minha vida, mas não era. Até os cães me ladram quando passo junto deles e os vejo com olhar desconfiado, os tais amigos, alguns deles, calam as palavras gastas pela hipocrisia, absortos na cupidez de quem corre em marcha atrás. Opina-se sobre o heroísmo de uns professores que exerceram uma profissão, bem, e que fora do local de trabalho nunca serviram o povo da Aldeia em nada. Também outros, segundo certas opiniões, também merecessem uma estátua, ou talvez levados para o Panteão, inclusive os destruidores do que era tradicional, e muitas aldeias conservaram. Os donos destas duas Aldeias, que tiveram que requerer a terceiros a entrada para congregações com o intuito de serem sacerdotes, e desertaram quando já tinham um bom nível académico, não suportam que aqueles que foram pobres nas suas infâncias, tenham hoje mais haveres, e os mostrem. Aqueles que fugiram de terras africanas onde exploraram os pobres indígenas, e se transformaram num beatismo aparente tentando ludibriar o mafarrico que os espera no inferno. Esta pessoas não davam, apenas trocavam por trabalhos árduos, mas que ninguém ousa denunciar. No Salazarismo, conheci agentes da PIDE que se esconderam após o 25 de Abril, e empinaram o nariz quando lhes foi atribuída uma reforma colossal com a qual tiveram a possibilidade de mandar os filhos estudar, que obtiveram os melhores empregos desdenhando as raízes, as quais estão presentes no conhecimento de pessoas com a doença de alzheimer.

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