terça-feira, 21 de junho de 2022

Não foi o que podia ter sido

Não me procures mais. Para quê? Já não sou, já não estou, já não serei. Fui o quê, aliás? Uma companhia agradável, uma pessoa com quem gostavas de estar: palavras tuas. Alguns beijos, algumas carícias, dedos que se encontravam, mas eu queria-te para além do corpo. Queria tudo e não podias dar-me tudo. Houve alturas em que te sentia hesitante, e depois a muralha de novo, os tijolos do teu medo, da tua falta de paixão, entre nós. Isso tenho que agradecer-te: foste sempre honesto comigo. Mas a tua divisão interior impedia-te de te aproximares. E não vieste, completamente, nunca, conforme nunca escutei de ti a palavra amor. Outras palavras que quase queriam dizer o mesmo porém não dizias. Não dizias, não dirás e, mesmo que o digas agora, não estarei lá para ouvir. Claro que vou ter saudades, claro que vou sentir muito a tua falta, muito e durante muito tempo. Mas quiseste assim e eu, que remédio, aceitei. O que podia fazer senão aceitar? Dei-te o melhor que tinha. Em vão. – Ajuda-me insistias tu, e tentei com todas as forças, e perdi. É difícil aceitar que perdi mas perdi. Agora? Durante uns tempos vou ficar assim, perdida. Depois não faço a menor ideia do que acontecerá. Está fora de questão voltar, fora de questão pedir ainda. Não se trata de orgulho sequer, trata-se de inutilidade. É preciso aceitar o fim das coisas e eu, que remédio, aceito. Aceito. Aceito. É pouco natural que um dia nos encontremos, as nossas vidas são tão diferentes, não acredito que nos cruzemos mais. Não te culpo seja do que for porque não tens culpa seja do que for. E só posso agradecer o que me deste. Uns meses felizes, ou quase felizes, ou com tudo para serem felizes é muito. Para mim é muito. E estou-te tão grata por isso e por ter acreditado numa vida inteira contigo. Não me dói que não seja: dói-me que tenhamos perdido, dói-me o gosto insuportável da derrota. Doem-me os sítios onde estivemos, dói-me a ausência do teu sorriso. Isso sei que me vai doer para sempre. Desejo, do coração, a tua felicidade. E que me esqueças, não é assim tão difícil, vais ver. Daqui a umas semanas estarás bem. Livre. Sem inquietações nem perguntas. E isso já vai ser tão bom. Eu fico por aí. Pode ser que de quando em quando oiças por acaso o meu nome e um estremecimentozinho qualquer numa qualquer parte de ti, que felizmente passará depressa. E, depois, mais nada. Ou esse sorriso passageiro que a gente dá às recordações defuntas. Porque não passarei de uma recordação defunta, cada vez mais pálida na tua memória até deixar de existir por fim. E, ao não existir, nunca existi. Se te perguntarem – Conheceste? a resposta sincera é – Não tenho a certeza mas creio que conheci e depois, é claro, pensa-se noutra coisa. Não temos assim tanto espaço cá dentro para o ocupar com recordações mortas. Há coisas muito mais importantes do que uma pobre sombra que tenta sorrir e não quiseste guardar. António Lobo Antunes

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