quinta-feira, 6 de abril de 2023

A revelação

Destinos e destinados Por António Brás Os tutoriais de um tempo revogado que infringiam, sobretudo às classes proletárias, preceitos conjunturais compulsórios diminuíam percentualmente a Acão reativa dos seres humanos submergidos pela soberania e pela fobia que os perseguia até aos sonhos maliciosos em noites de insonolência, triturados por deveres e obrigações, deitados em colchões de desaconchego, uma simples manta de farrapos, em noites invernais, barriga a dar horas, e a responsabilidade de criar numerosos filhos martirizava-lhe o vulnerável cérebro. Na casa que os pais de Carlitos compraram e ofereceram aos noivos, discretamente isolada, murada e com um lindo jardim, mobilada e recheada com o necessário para poderem viver despreocupadamente, não reinava grande euforia e muito menos felicidade como Paula sua esposa esperava. No início, quando voltava da faculdade de economia, encontrava o marido de péssimo humor, ou estava ausente até muito tarde, era já noite quando regressava com justificações esfarrapadas, ou que tinha estado em casa dos pais e se demorara sem ver o tempo passar. Numa dessas noites, Paula esperava-o radiante. Vestia um vestido decotado de cor azul céu, calçou os sapatos de salto alto, tinha ido ao cabeleireiro arranjar o cabelo com madeixas, e sorria como quem se sente felicíssima, o que deixou logo o marido de pé atrás. Sem pronunciar uma única palavra esperava ali hirto, mas a esposa fez durar o suspense até que por fim: - Vais ser pai meu querido! Não obteve do marido a reação que esperava, pelo contrário Carlos parecia petrificado. - Não ficas feliz com tão linda notícia? - Eu… Não será demasiado cedo… tínhamos a vida toda pela nossa frente… - E temos para dar carinho, amor e uma educação como nos compete. - E essa mascarada para que foi? - Para ti meu amor… e se concordares vamos jantar fora para celebrar? Carlos aquiesceu, para não levantar suspeitas sobre o adultério que consumava secretamente com Júlia, nos recantos mais escuros que ambos conheciam, enrolados como amantes sem se sociarem das consequências provenientes de atos irrefletidos, como dois adolescentes perdidos pela paixão. Durante a refeição esteve alheio às conversas da esposa que iam bater sempre no mesmo: a felicidade de estar gravida do homem que amava e com o qual queria formar uma família igual a tantas outras. Porém para Carlos era um fardo que até podia por em causa o seu amor secreto. Voltaram para casa ainda cedo, a criada esperava na cozinha caso necessitassem de alguma coisa. – Vai-te deitar Gertrudes, que eu e o meu marido precisamos de privacidade, - disse Paula com voz apreensiva. Quando estavam sós no salão deu-se a explosão esperada. – Carlos; disse Paula em tom suave. Conta-me tudo o que se está a passar contigo. Lembra-te que me prometeste lealdade e fidelidade há apenas um mês naquela igreja onde ambos fizemos o mesmo juramento… não eras assim antes de casarmos! Porque razões adventícias te tornaram um homem frio, insensível, distante, intangível, enfim vives como um robô manipulado e desinteressado de tudo e de todos. Nem o privilégio e a felicidade que Deus te concede poderes ser pai te faz reagir? Onde está o homem que eu conheci? Deitamo-nos na mesma cama, e pior que dois estranhos nem sequer fazemos amor! Tens sempre uma razão esfarrapada, e eu tolerante, aguardava na esperança de que fosse apenas uma passagem de estado de espírito, mas hoje deste-me razões suficientes para desconfiar da tua sinceridade para comigo. Por amor de Deus conta-me. Quero ajudar-te Carlos meu querido… - Que ideias são essas que apodrecem essa cabecinha? Eu sou o mesmo. Tu também passas o teu tempo na faculdade… como queres que ocupe o meu tempo? Não é verdade que não fazemos amor, a prova está nesse bebé que vem aí… - Oh Carlos! Se é só por isso posso congelar o meu curso? - Não, isso não. Eu vou tentar estar mais presente e ser o marido ideal como tu gostas. Promesas futeis que não convenciam a esposa, porém a situação não era de revolta nem de alaridos. Vinha a caminho um bébe que necessitava dos pais, pelo que Paula engoliu em seco aquilo que desejava vomitar. Não esperou mais esclarecimentos, e, a partir desta data ficou com a certeza de ser taída pelo marido enquanto se esforçava para completar um curso difícl, a fim de constituir uma família honesta e divertida como tantas que ela conhecia. Só mais tarde o seu coração estremoso deixou de resistir às mentiras que os olhos inundados iam vertendo lágrimas de desespero enrroladas em maquiavélicos sistemas destrçando-a. Não tinha confidentes nem conselheiros, estava no mundo só com o seu filho no ventre sem saber o que fazer. No dia seguinte telefonou aos pais a contar-lhe o seu triste viver que se dispuseram imediatamente vir solicitar explicações ao marido. Não - suplicava a filha esperando que as coisas voltassem ao seu normal, o que nunca aconteceu

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