segunda-feira, 5 de maio de 2014

Viveres III


FotografiaViveres III
De regresso a casa, para passar umas férias, no mês de Agosto, após contrato concluído com a empresa de construção civil; no bolso os devidos documentos que permitiam a estadia e trabalhar em solo Francês, tendo previamente comprado uma grande mala a baixo preço, onde transportava as roupinhas e umas prendas baratas para os familiares, foi euforicamente, que fizemos a viagem de comboio, desembarcando na estação de Rossas ao cair da noite. O Sr. Azevedo, chefe da estação, olhava-nos de soslaio, mas, não ousou perguntar-nos o que quer que fosse. Alugamos o carro do Jerónimo para percorrer os 4 km que nos separavam de Rebordainhos, e à medida que nos aproximávamos do povoado, sentia um arrepiar de cabelos, tremores constantes, à mistura com calafrios ansiosos, como se tivesse deixado o meu berço de embalar, havia anos! Ao passar pela casa de minha avó, lancei um rápido olhar, verificando que uma das paredes, do lado Sul, tinha efetivamente ruído no inverno, morando eles provisoriamente, numa casa emprestada pelo tio Adriano, lá para os lados do Covelo. De felicidade também se chora, e, o reencontro, trouxe lágrimas aos olhos de toda a gente.Com os tostões ganhos e economizados por terras Gaulesas, compramos o tijolo, o cimento, e, com a ajuda de um verdadeiro trolha, metemos mãos à obra, reconstruindo a casinha, para os familiares poderem voltar para lá morar.
As férias passavam com uma rapidez desconcertante, e, apesar da apreensão de voltar a partir, orgulhava-me passar prado acima, vestido com roupas ”chiques” relativamente às que se usavam na Aldeia, e ouvir murmurar os mais idosos: - Já não parece o mesmo! - Aqueles ares mulher… são outras terras!
Também o amor da minha vida manifestou uma certa admiração carinhosa, ao avistar-me da soleira da sua porta, parecendo esperar-me, apenas para me ver passar no caminho, sendo este um trajeto rotineiro, sem compromissos repressivos, com os quais lidavam paternais dotados xenofobia.
Numa ida a Bragança, encontrei-me com o meu amigo de infância, Orlando de Sortes, caseiro do P.e João em Vidoedo. Tivemos uma longa conversa, cheia de boas recordações nostálgicas, mas também muito útil para o desenvolvimento do meu futuro de volta a França após as férias. Também ele vivia e trabalhava neste País havia dois anos, numa fábrica de automóveis. Contei-lhe a minha história, manifestando o desejo de voltar para Paris, à procura de outro trabalho onde se ganhasse mais e com outras condições diferentes daquelas vividas na construção civil. Propôs imediatamente ajudar-me, dizendo que no local onde ele trabalhava não estavam a admitir pessoal, (Balard) mas deixou-me duas folhas de pagamento, para eu me dirigir ao escritório de Levallois com elas, e pedir ao interprete, (espanhol) emprego, mostrando-lhe as ditas folhas que ele se ocuparia de tudo. E assim foi. Entretanto, como não possuía passaporte, fui obrigado a dar novamente o salto para passar a fronteira.
Voltei à cité de fleurs, a casa do Chico, e juntos fomos alugar um quarto mobilado, num hotel onde podia cozinhar, na rua Trufaut, emprestando-me o dinheiro para o primeiro pagamento.
Apresentei-me em Levallois, na empresa de automóveis Citroen, onde fui imediatamente admitido, e levado para a secção de fabrico de peças, mais concretamente as “vielas”. Ficou acordado trabalhar em dois turnos, 7h/15h – 15h/23h quinzenal. As minhas funções, às quais toda a gente dizia ser um sortudo, eram controlar numa máquina eletrónica, os defeitos desta peça.
Integrei-me imediatamente, e fiz numerosos amigos, sendo incluído na equipe de futebol que representava a fábrica. Os jogadores eram de várias nacionalidades, o nível bastante alto, e os campos fabulosos, com relva, balneários e equipamentos à altura da 2ª divisão em Portugal.
Nunca mais vi os meus amigos, Espanhois,Yugoslávios, Gregos, Marroquinos, Fraceses, Italianos, Portugueses, com os quais passei momentos memoráveis, desportistas e conviventes.


2 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Abordas aqui um aspecto essencial da emigração, que é o enorme contributo que os emigrantes deram para a melhoria das condições de vida da família que por cá ficava. No País fala-se das "remessas", mas eu sou muito mais sensível a esse outro lado, até porque o testemunhei e compreendi o seu enorme alcance.

Há uma coisa que não compreendo: a folha de pagamento não é a folha do ordenado? Nesse caso, como é que aquelas duas que te foram dadas pelo teu amigo te ajudaram a arranjar emprego?

Por causa da folha de pagamento (feille de paie) fizeste-me lembrar uma canção do José Mário Branco, de que gosto muito ("Terras de França", para onde ele teve que fugir também) onde utiliza francesismo adaptados, como "chança", "vacança" e, também, a "folha de peia" (confesso que penei um bocadinho para desvendar esta).

Se não conheces e quiseres ouvir, podes encontrá-la aqui (foi das canções que ensinei aos meus alunos nas celebrações deste 25 de Abril):

https://www.youtube.com/watch?v=z8mZzBr200g

Beijos

antonio disse...


Olá Fátima! Gostei imenso do teu comentário, o qual não se resume à banalidade de um simples texto escrito… incentivando à reflexão aprofundada, da mensagem que tentei transmitir aos leitores alheios à realidade dos factos por diversas razões…
Também discordo do termo “remessas” cujo significado é: - As remessas são quantidades de dinheiro enviadas por emigrantes a seus países de origem e representam uma soma considerável para os países em ...
Para mim, são economias, para ajudar os familiares carenciados e sujeitos a Leis repressivas, que os obrigavam a permanecer num País.
Quanto às folhas de pagamento do ordenado mensal, (Folha de pagamento é o nome dado a uma lista mensal, semanal ou diária da remuneração paga aos trabalhadores de uma instituição)
que em França representam detalhadamente, ganhos brutos, mais os descontos para as diversas entidades representativas de deveres e direitos, servindo mais tarde para confirmar a legalidade dos reformados; pontuação, trimestres e tempo de serviço. Em Francês existem vários termos para designar estes recibos narrativos completos, tais como: - Feuille de paie, Bulletin de salaire, Fiche de paie (paye já pago). É verdade que nós Emigrantes tendemos na utilização de frases, traduzidas à letra do Francês para o Português.
Vejamos então a utilidade de o meu amigo me emprestar duas folhas suas de pagamento com a finalidade de ser admitido nesta instituição: só as pessoas de confiança eram admitidas, ainda que passássemos por entrevista, a maior garantia era considerada aquela vinda de um funcionário executivo, o qual assumia através das coordenadas retiradas destes dois documentos, a responsabilidade de tudo quanto pudesse acontecer durante seis meses, em suma, foi o meu tutor.
Bem-hajas pela visita e e comentário. Beijos