O VI sentido
Nasceu como todos os meninos, n’um berço modesto, n’uma
família tradicional Portuguesa, com meios de sobrevivência provenientes da
labuta diária, que seus pais travavam no estrangeiro para onde Emigraram na
década 60/70. Tinha uma irmã, mais nova que ele, com alguns problemas de saúde,
hereditários, ou talvez por capricho do destino, previamente traçado, dizem
alguns, fatalidade dizem outros, procuremos a verdade como uma “agulha num
palheiro”, ou sejamos realistas e digamos que não foram brindados pela vida, e
que a morte veio traiçoeiramente roubar a da mãe, na tenra idade dos filhos,
deixando-os órfãos, entregues ao pai, o qual apesar de não deixar que algo lhes
faltasse, jamais poderia colmatar o lugar deixado vazio que só uma mãe sabe
ocupar.
O tempo foi passando, havendo no decorrer das suas
existências, altos e baixos, no seio familiar reconstituído, com novo casamento
do pai, e uma irmã da falecida esposa, seguindo-se o nascimento de mais dois
irmãos.
De regresso definitivamente a Portugal, o Carlos, que me
chama tio e eu considero como sobrinho, embora esse título pertença à minha
esposa, com os seus 16 anos desistiu dos estudos para se dedicar exclusivamente
a trabalhar na construção civil e pequena agricultura tal como o pai. Era um
moço robusto, trabalhador, mas brevemente constatou que a infelicidade lhe
batia novamente à porta sendo-lhe diagnosticada a doença do metabolismo
caraterizada pelo excesso de glicose no sangue; os chamados: diabetes. Tentou
aprender a viver com esta doença, embora com excessos de um jovem que gostaria
poder viver como todos os outros… Quando apareciam trabalhos temporários no
estrangeiro por tempo determinado, unia-se a grupos e lá iam ganhar uns tostões,
porque em Portugal não se passava da “cepa torta”. Foi no decorrer destas
contratas que conheceu uma moça loira, oriunda da região do Minho, e com ela
enveredou suas relações amorosas, as
quais resultaram em casamento. Deste casamento
nasceram duas meninas, e o acréscimo do agregado familiar complicou-lhe
ainda mais o viver, em terras onde os trabalhos escasseavam, sendo necessário
pagar renda de casa e manter a sobrevivência da família. Por várias vezes o pai
socorreu-o de certas irresponsabilidades, porque as ajudas institucionais não
lhes eram concedidas, nem sequer o rendimento mínimo de inserção…Entretanto a
saúde do Carlos complicava-se cada vez mais de dia para dia, com insuficiência
renal , provocando fragilidade visual, e mais tarde obrigatoriamente
hemodiálise duas vezes por semana tendo as funcionalidades renais estagnado.
A falta de visão galopava, e já não havia meios óticos que remediassem.
Também a hemodiálise tinha de ser feita com mais frequência, e o diagnóstico
procurado em Portugal e no estrangeiro viria demasiado tarde com a agravante da
obrigatoriedade de transplante renal, o qual teve a sorte de obter com a graça
de Deus… os seus olhos deixaram definitivamente de ver a luz do dia, e por mais
tentativas que fizessem o Carlos cegou. Mesmo sem poder ver, sofria atrozmente
do nervo ótico e foi necessária uma intervenção cirúrgica, e a extração dos
mesmos. Recorrendo à segurança Social, já a viver em Murçós, onde se ativaram
todos os meios, para lhe ser concedido fundos destinados a famílias
carenciadas, para a construção de uma pequena casa, e após vários exames a
invalidez a que tinha direito.
Gostava sublinhar aqui a coragem, determinação, auto estima
e robustez de um homem na flor da idade que perde os rins, a visão total, e sem
vacilar nem lamentações, pegou o touro pelos “cornos, adaptando-se demasiado
facilmente ao seu novo viver de cego, sem preconceitos nem complexos de
qualquer espécie… não gosta que o tratem de coitadinho, aprendeu a viver com
autonomia, esforçou-se em adquirir os complementos das novas tecnologias, tais
como o “jauss” sistema integrado de voz no telemóvel e computador, utilizando
estes softwares como qualquer cidadão visual. Chamo-lhe VI sentido ao meu texto
porque apesar de ser um jovem homem extraordinário, o Carlos não desistiu de
nenhum dos prazeres que a vida nos oferece, nem passou o seu precioso tempo a
lamentar-se, esperando que por milagre lhe caísse do céu a preciosidade que
perdeu, falando do visual, porque também perdeu o amor e carinho da mãe, o da
esposa que acabou por divorciar, alegando múltiplas razões, mas concretamente
só uma me convence; e está perdendo o das filhas que à medida que vão
crescendo, não se sentem à vontade junto do pai…
Grande Carlos… apesar de te ter caído o céu em cima,
resistes exemplarmente com as magras ajudas, sempre sorridente e bem disposto,
pronto para ajudar os mais fracos que tu, aqueles que não sabem o que é sofrer
e passam a vida a lamentar-se… Parabéns
por seres quem és, e feliz aniversário deste tio que sempre estará aqui para ti
se for necessário …
DEDICO ESTA HOMENAGEM AO MEU SOBRINHO Carlos Martins
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