quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Carlos o poderoso

O VI sentido
Nasceu como todos os meninos, n’um berço modesto, n’uma família tradicional Portuguesa, com meios de sobrevivência provenientes da labuta diária, que seus pais travavam no estrangeiro para onde Emigraram na década 60/70. Tinha uma irmã, mais nova que ele, com alguns problemas de saúde, hereditários, ou talvez por capricho do destino, previamente traçado, dizem alguns, fatalidade dizem outros, procuremos a verdade como uma “agulha num palheiro”, ou sejamos realistas e digamos que não foram brindados pela vida, e que a morte veio traiçoeiramente roubar a da mãe, na tenra idade dos filhos, deixando-os órfãos, entregues ao pai, o qual apesar de não deixar que algo lhes faltasse, jamais poderia colmatar o lugar deixado vazio que só uma mãe sabe ocupar.
O tempo foi passando, havendo no decorrer das suas existências, altos e baixos, no seio familiar reconstituído, com novo casamento do pai, e uma irmã da falecida esposa, seguindo-se o nascimento de mais dois irmãos.
De regresso definitivamente a Portugal, o Carlos, que me chama tio e eu considero como sobrinho, embora esse título pertença à minha esposa, com os seus 16 anos desistiu dos estudos para se dedicar exclusivamente a trabalhar na construção civil e pequena agricultura tal como o pai. Era um moço robusto, trabalhador, mas brevemente constatou que a infelicidade lhe batia novamente à porta sendo-lhe diagnosticada a doença do metabolismo caraterizada pelo excesso de glicose no sangue; os chamados: diabetes. Tentou aprender a viver com esta doença, embora com excessos de um jovem que gostaria poder viver como todos os outros… Quando apareciam trabalhos temporários no estrangeiro por tempo determinado, unia-se a grupos e lá iam ganhar uns tostões, porque em Portugal não se passava da “cepa torta”. Foi no decorrer destas contratas que conheceu uma moça loira, oriunda da região do Minho, e com ela enveredou  suas relações amorosas, as quais resultaram em casamento. Deste casamento  nasceram duas meninas, e o acréscimo do agregado familiar complicou-lhe ainda mais o viver, em terras onde os trabalhos escasseavam, sendo necessário pagar renda de casa e manter a sobrevivência da família. Por várias vezes o pai socorreu-o de certas irresponsabilidades, porque as ajudas institucionais não lhes eram concedidas, nem sequer o rendimento mínimo de inserção…Entretanto a saúde do Carlos complicava-se cada vez mais de dia para dia, com insuficiência renal , provocando fragilidade visual, e mais tarde obrigatoriamente hemodiálise duas vezes por semana tendo as funcionalidades renais  estagnado.  A falta de visão galopava, e já não havia meios óticos que remediassem. Também a hemodiálise tinha de ser feita com mais frequência, e o diagnóstico procurado em Portugal e no estrangeiro viria demasiado tarde com a agravante da obrigatoriedade de transplante renal, o qual teve a sorte de obter com a graça de Deus… os seus olhos deixaram definitivamente de ver a luz do dia, e por mais tentativas que fizessem o Carlos cegou. Mesmo sem poder ver, sofria atrozmente do nervo ótico e foi necessária uma intervenção cirúrgica, e a extração dos mesmos. Recorrendo à segurança Social, já a viver em Murçós, onde se ativaram todos os meios, para lhe ser concedido fundos destinados a famílias carenciadas, para a construção de uma pequena casa, e após vários exames a invalidez a que tinha direito.
Gostava sublinhar aqui a coragem, determinação, auto estima e robustez de um homem na flor da idade que perde os rins, a visão total, e sem vacilar nem lamentações, pegou o touro pelos “cornos, adaptando-se demasiado facilmente ao seu novo viver de cego, sem preconceitos nem complexos de qualquer espécie… não gosta que o tratem de coitadinho, aprendeu a viver com autonomia, esforçou-se em adquirir os complementos das novas tecnologias, tais como o “jauss” sistema integrado de voz no telemóvel e computador, utilizando estes softwares como qualquer cidadão visual. Chamo-lhe VI sentido ao meu texto porque apesar de ser um jovem homem extraordinário, o Carlos não desistiu de nenhum dos prazeres que a vida nos oferece, nem passou o seu precioso tempo a lamentar-se, esperando que por milagre lhe caísse do céu a preciosidade que perdeu, falando do visual, porque também perdeu o amor e carinho da mãe, o da esposa que acabou por divorciar, alegando múltiplas razões, mas concretamente só uma me convence; e está perdendo o das filhas que à medida que vão crescendo, não se sentem à vontade junto do pai…
Grande Carlos… apesar de te ter caído o céu em cima, resistes exemplarmente com as magras ajudas, sempre sorridente e bem disposto, pronto para ajudar os mais fracos que tu, aqueles que não sabem o que é sofrer e passam a vida a lamentar-se…  Parabéns por seres quem és, e feliz aniversário deste tio que sempre estará aqui para ti se for necessário …

DEDICO ESTA HOMENAGEM AO MEU SOBRINHO Carlos Martins

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