O valor é
sempre o mesmo:
Foram tantos
os episódios que fizeram parte das nossas vidas que encheriam uma biblioteca de
livros ou uma longa metragem de filmes, onde entrariam personagens capazes de
representar, quase perfeitamente, cenas passadas no âmbito familiar, em diversificados
contextos, situações sociais, conjeturas
cuja precaridade transbordava dos limites humanísticos, recorrendo a perícias de
inclinação impetuosa, para lograr das migalhas desperdiçadas, de um pão centeio
duro e negro que só ensopado em águas ferventes, com um dente de alho e uma
areia de sal, saciariam ou enganariam o estomago por horas ou dias, numa luta
constante pela sobrevivência, tal como ainda hoje se vive, em Países
supostamente ricos, onde meia dúzia de magnatas, subornados e corruptos, traçam
por linhas tortas o destino de gente honrada, honesta a trabalhadora,
servindo-se de poderes e relações onde a justiça não existe, e muito menos o
lado sentimental.
Noutras
famílias, como descreve na perfeição, António Lobo Antunes, o escritor em voga,
brincando com as palavras como se fosse plasticina, que tanto admiro e respeito,
e que leio frequentemente. Muitas das suas crónicas, situam-se no tempo e em
lugares que lhe foram queridos, junto de uma família exemplar, de médicos,
desde algumas gerações, onde vigorava a inteligência, mas também a disciplina e
o respeito, em casa na rua ou onde quer que um dos seus andasse. Fiquei
surpreendentemente convicto de que a quantidade de filhos nunca foi obstáculo
para os seus, e cada um do agregado familiar respeitava escrupulosamente as
diretivas que regem os procedimentos sem barafustar invejar ou ciúmes, porque
quem bem educa não necessita agredir nem sequer repreender.
Sei que hoje
tudo modificou, e é verdade ser diferente, porém há valores e princípios que
acompanham o ser humano até à eternidade. Para o miúdo que nasceu bem perto de
Murçós onde reside há vinte e dois anos, com integração lenta e a certos
momentos perturbada, e que assistiu ao desmoronar remisso de uma população
numerosa e afetuosa, à desertificação e ao envelhecimento dos poucos que por cá
ficaram, vendo partir os pilares que suportavam ventos e marés, nesta terra,
com vivacidade e bom senso, a solidão companheira dos longos e dos curtos dias,
começa a pesar como um fardo sem esperança de deixar os ombros onde se sente
confortável, aguardando os libertadores que por certo jamais virão. Já não há
quem acaricie as pedras da calçada, num andar lento ou num corredio
desenfreado, as ruas sentem-se tristes e os largos vazios, as casas ou casebres
teimam em suicidar-se, uma telha duas pedras, trancando as portas para que os ladrões
não entrem e venham roubar a felicidade que presenciaram em tempos idos, enquanto
junto das janelas pálidas e doentes, pousa e levanta rapidamente um pardal que
resistiu por milagre às guerras dos ervecidas e pesticidas. No chafariz secaram
as lágrimas, e as flores nos canteiros deixaram o lugar às silvas invasoras.
Ainda se ouve o sino dar as horas, mas até o seu encanto desencantou. Subi a
rua como quem sobe a montanha azul, e não encontrei ninguém, falei com Jesus. E
na oração, ouvi aquela canção que o Vítor (Poulo) tantas vezes cantava lá para
o lado do vale grande: oliveiras castanheiros… e a noite chegou húmida e fria,
e com ela os dois tratores carregados de azeitona dos grupos que resistiram ao
furacão
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