terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Bairror

Bairros e bairristas por António Braz A sinopse narrativa que descreve pormenorizadamente fatos e gestos vivenciados outrora ou previamente são a coligação que nos transporta de uma era para outra num metamorfosear estéril, onde as gerações se enleiam numa teia bordada de boas e más recordações suscetíveis de aprovação ou rejeição segundo o estado anímico cuja psicologia diverge, por rasões fundamentais baseadas nos ciclos do que foi, é, e será… O escritor dispões de uma vasta panóplia de segmentos, verídicos ou imaginários para captar o leitor e conduzi-lo até ao limite de uma barreira atrativa que se pode tornar hedionda segundo as capacidades mentais de cada ser. Cada escritor possui a forma elítica de sua intenção sujeita à avaliação, por vezes injusta, onde a leitura e os livros sofrem as consequências metódicas do que tem amigos e o braço longo tal como noutros sectores, e a impotência revela-se resiliente consentindo, ainda que com revolta. Naquela terra, onde eu nasci, havia bairros e os bairristas defendiam com unhas e dentes a sua comunidade, em lutas de corpo a corpo, à pedrada, e até com ameaças que jamais se concretizavam. No campo da bola, na coroa da cabeça, rodeado de carvalhais, urzeiras, giestas que tentavam invadir lentamente o recinto, jogavam os do bairro de cima contra os do bairro de baixo, e mesmo sendo a feijões, todos adotavam o sacrifício, a dor e o cansaço como disciplina, e quando o árbitro, neutro, dava por terminado o encontro, os que perdiam desciam cabisbaixo até à airoá onde jorrava uma água fresquinha de uma mina aberta, onde se refrescavam antes de prosseguir em grupos pelo caminho poeirento, mais 1km até chegarem ao prado lugar místico para encontrar os que se regozijavam e os tristes por perderem, que uma hora depois já tudo estava esquecido e confraternizavam na taberna do Tio Álvaro, enquanto debaixo da grande parreira se jogava ao peso fundido especialmente para o jogo. Mais em baixo a relha telintava, batendo numa olmeira, e as pedras de fito andavam de cá para lá, assim como os jogadores, que só quando o sol se punha lá atrás da serra do Pereiros, e já não se enxergavam os vintes, paravam depois de terem bebido uns quartilhos de vinho, pagos pelos perdentes. Eu caçava azeiteiros na poça junto à casa do tio Francisco.

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