terça-feira, 25 de outubro de 2022

Traição

O VIAJANTE ERRANTEE por AB Nasceu n’um berço dourado, coberto de beijos flores e alegria, lá para os lados do Alentejo que os chaparros veneravam numa propriedade rica e imensa onde sete criados seguiam escrupulosamente as ordens dadas pelo feitor, homem rude e de poucas falas, e os patrões babados recebiam os parabéns que eles humildemente lhe transmitiam, com um sorriso de orelha a orelha, manifesto de felicidade. Era um casal que passou parte do tempo, que não viram passar, a tratar de um legado familiar de terceiro grau, e quando casaram tinham já cerca de quarenta anos. Nasceram deste casamento em partos de grande risco dois meninos, primeiro o Afonso e cinco anos depois o Joãozinho como prenda caída do céu inesperadamente. Duas amas cuidaram deles como verdadeiros filhos, aos quais se afetaram intensamente e reciprocamente. Apesar da diferença de idades os irmãos passaram a infância nesta grande e airosa propriedade brincando e jogando como meninos ricos, com o amor e carinho dos pais que só a noite chegada lhes podiam dar. Frequentavam escolas particulares, e apesar de o João ter mais cinco anos que o irmão a relação de afeto e amizade era excelente durante sete anos, até que a mãe foi cobiçada por carne alheia, um dos criados, que tinha menos vinte anos que ela, esbelto de cabelo ruivo e olhos azuis com graciosidade beleza e um sorriso capaz de seduzir a mais fiel das mulheres. Fazia todos os possíveis para se encontrar com a esposa do patrão em lugares discretos, e pouco a pouco a presa estava do seu lado envenenada com promessas elusivas que o seu pobre coração não podia refutar, vulnerável e ignorante. Até que chegou o dia do golpe fatal. O rapaz organizou a fuga astuciosamente, desde os transportes, visa e passaportes falsos, pagos com o dinheiro da patroa que tinha acesso a um grande cofre antigo em ferro fundido onde jazia o fruto do que foram acumulando durante anos na venda de cereais e vinho, batata e laranja, quando ainda as faturas não eram obrigatórias. Foi na noite da traição, o marido, como sempre, cansado, deitou-se logo após o jantar e os criados que viviam em anexos por detrás da vivenda não se aperceberam de nada, os fugitivos levavam apenas com eles um saco às costas onde constavam haveres de 1ª necessidade. Um carro esperava-os escondido por detrás de uns arvoredos e a uma distância considerável. – Mexe-te murmurava o rapaz notando uma certa hesitação na mulher que era mãe e entrou no quarto dos filhos beijando-os tão intensamente que quase os acordou. Um braço forte puxou-a para fora, entraram no automóvel estacionado e a alta velocidade dirigiram-se para o aeroporto e na mesma noite embarcaram para a África do Sul. Só quando acordou para fazer as necessidades, o marido se apercebeu que a esposa não tinha dormido na cama deles, e em pânico deu o alerta por toda a propriedade sem qualquer resultado plausível pelo que o seu cérebro começou a imaginar desastres em toda a parte, chamou a Polícia. Foi procurada por toda a parte em vão e só no dia seguinte se aperceberam que o ruivo não tinha participado na procura da patroa. Estranho! - diziam uns. Outros que talvez também tivessem notado aquela aproximação limitavam-se a baixar os rostos, só o Joaquim teve a coragem de contar que os dois pombinhos andavam frequentemente juntos murmurando conversas. Também tinha visto um carro verde estacionado perto da herdade, mas, não estava ninguém dentro, aconteceu já tarde na noite passada quando foi comprar tabaco. Para a Polícia, mas sobretudo para o marido tudo começava a fazer sentido apesar de incrédulo murmurava nomes feios de ódio e de sentir o peso da confiança que sempre depositou na esposa, do carinho que partilhavam, e do amor que os levou àquele altar onde juraram fidelidade até à morte. Do seu olhar saíam agora faíscas de ódio e terror. Foi a casa pegou na caçadeira de cinco tiros e carregou-a como para matar um boi, enquanto os Policias tentavam chamá-lo à razão dizendo: não se pode fazer justiça pelas próprias mãos. E os seus filhos ainda tão pequenos que seria deles? Era um homem perdido que já não via nem ouvia, na sua mente instalara-se a vingança, mas quando entrou em casa ouviu o choro de uma criança, poisou a arma e foi ao quarto deles banhado em lágrimas. Pegou neles apertou-os contra o coração enquanto os seus lábios molhados os beijava ternamente e aos ouvidos lhes segredava que o perdoassem. Quando saiu do quarto reparou que a porta onde guardava o cofre estava aberta assim como a do cofre receando o que realmente verificou caído no chão agarrado à pobre cabeça que parecia estoirar. Levaram com eles todo o dinheiro, ouro prata e tudo quanto tinha valor, deixando apenas atestados de empréstimo. Meu Deus, que faço eu agora? Mas a sua cabeça já tinha decidido, persegui-los até ao fim do mundo. Possuía uma pequena fortuna depositada num banco no seu nome e no do dois filhos abandonado pelos pais fugidos para o estrangeiro por rasões de infidelidade que o marido tentou fazer justiça pelas próprias mãos, sentindo-se traído por um pela esposa com um miúdo que não tinha metade da sua de idade. O pai, filho único, trabalhou como um escravo para fazer florescer aquele lar onde nada faltava, supostamente, até que descobriu a marosca. A traição fragilizou-o ao ponto de tentar suicidar-se, salvou-se com a ajuda de um vizinho, e quando recuperou surgiu a triste realidade de dois filhos abandonados que foram entregues em instituições de acolho. A sua passagem pela instituição psiquiátrica roubou-lhe os entes que mais amava estando apenas autorizado a visitá-los duas vezes à instituição de acolhimento. Conseguiu manter a herdade drasticamente até que Afonso, já formado em engenharia agrícola tomou as rédeas e o pai embarcou à procura dos traidores onde recebia a probabilidade de se encontrarem. João frequentava o 2º ano de advocacia na universidade de Lisboa, mas as más frequentações e as sequelas deixadas pela falta dos pais, empurraram-no para o consumo de álcool e drogas que os oportunistas sugaram depois de ter vendido a sua parte da herdade ao irmão que tudo tentou para trazê-lo de volta e não conseguiu. Por AB (continua)

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