quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Emigração




 O pico da emigração superou este ano os anos 60, diziam os jornalistas nos jornais televisivos, e ainda não vamos ficar por aqui…
Existe uma grande diferença entre a emigração das duas épocas… hoje, podem reunir as suas coisas, metê-las dentro de uma mala e seguir viagem com os maridos, os filhos, sem entraves nas fronteiras; apenas com um cartão de cidadão, uns trocos para a viagem e remedeio ao chegar, e como é óbvio a entreajuda de um familiar ou amigo no local. Concebo e admito ser frustrante, penoso mesmo, ficar sem emprego, carregando com as consequências advindas e dificilmente suportadas, porém, na minha opinião, não é desonra e muito menos uma condenação ao degredo humilhante, imposto pelo País Natal, que sempre foi pobre, mesmo quando os ditadores governavam, impondo suas leis bárbaras e desumanas as quais conduziram uma grande quantidade de patriotas à prisão e à morte, nas galerias terrestres mais horrorosas, onde os funcionários, PIDE) que hoje usufruem de reformas exorbitantes, puniam as vítimas, sem dó nem piedade, por uma palavra política, arrancada a fogo e a ferro.
Não lamentem a vossa sorte, porque outros mais infelizes percorreram os mesmos caminhos, com a diferença de os dos anos 60 a fazê-lo a pés ou escondidos em carros que servem hoje para transportar animais vivos, enquanto vós viajais em carros confortáveis, comboios, ou aviões. É vos concedida a equivalência dos vossos estudos, e empregos equivalentes… aos dos anos 60, a maioria analfabetos, eram dados os empregos mais penosos e duros que os patriotas desse País desprezavam ou consideravam desprezíveis. A vossa integração será facilitada, pelo facto de possuírem preceitos intelectuais incomparáveis aos dos que, por infelicidade e carência, se ficaram pelos exames primários, e sempre viveram oprimidos, não podendo desenvolver os dons cívicos, nem manifestar o descontentamento.
Já alguma vez ouviram contar a história da viagem clandestina de Emigrantes dos anos 60?
Posso citar como exemplo a minha em 1968 já muito facilitada em relação aos métodos praticados em 64…
Parti da minha terra Natal no dia 1º de Novembro de 1968, às 2h da manhã, com um farnel às costas; dentro um naco de pão centeio, um salpicão que os meus pais reservaram especialmente para a ocasião, umas meias e uma camisola. Dois táxis levaram-nos até cerca de 4 quilómetros da fronteira do Portelo, onde um guia os esperava escondido num matagal, do qual ao ouvir o ruído dos automóveis, sai com um foco fazendo sinais de morse como previamente combinado.
- Desçam rápido e sigam este senhor – Disse o motorista, fazendo imediatamente meia volta de regresso a Bragança.
Nós cumprimos as ordens sem balbuciar palavra, até porque tínhamos sido avisados para fazer o menos ruído possível, e sobretudo não falar.
A noite estava escura, tropeçávamos aqui, caiamos ali, mas sempre com o olhar fixo no guia para não ficarmos por ali abandonados, pois também tínhamos sido avisados pelo passador, que o guia não esperava por ninguém… em baixo ouvia-se o ruído medonho da corrente das águas, e os nossos corações batiam fortemente receosos de tropeçar, cair nas águas, e… adeus vida.
Andamos por volta de 6km ladeando a fronteira até tomar a direcção de Calabor, Aldeia Espanhola, onde fomos acolhidos para dormir de pé, por não haver aposentos para três dezenas de homens e mulheres. A grande lareira aqueceu os corpos, mas a alma continuava alertada por uma eventual denuncia e seriamos presos.
Amanheceu, e o passador pediu-nos o BI para ir à guardilha pedir uma autorização a fim de podermos deslocar-nos em território Espanhol. Seguimos depois para a Puebla de táxi, onde apanhamos o comboio para Medina-Del-Campo, e daí para Irum cidade fronteiriça com a França. Em fila indiana espaçada fomos atravesando a ponte de Irum para Andaye, tudo combinado com as autoridades, pagas que faziam ouvidos moucos e olhos cegos.
Finalmente, já com um recepissé no bolso seguimos para os destinos.
Permaneci em Paris durante muito tempo sem trabalhar por não haver trabalho devido a uma greve longa que marcou esta data.
Nas minhas primeiras férias, logo no ano seguinte, não tirei passaporte no Consolado, porque chegados à fronteira éramos presos e levados para os quartéis fazer o serviço militar.
Meu irmão tinha comprado um velho automóvel, Austin Morris, onde viajamos durante longas horas, pelo facto dos engarrafamentos, das intempéries, e a idade do “calhambeque”. Finalmente, apesar das numerosas peripécias, chegamos à fronteira de Quintanilha, onde tínhamos combinado eu descer dois km antes e passar de assalto, esperando do outro lado na estrada cujos sinais eram ramos de monte na estrada.
Silenciosamente ia-me deslocando por cima dos rochedos como se fossem ovos, ouvido alerta e olhar fixo em todo o lado. Ao chegar junto do rio deparei com a minha primeira surpresa… como fazer para atravessar o rio? Numa fracção de segundos decidi lançar-me à água, sem ponderar nos perigos possíveis existentes… nadei até ao lado oposto, agarrei-me a um arvoredo e subi para cima atravessando o mato a escorrer água da cabeça aos pés, mas o mais importante era não fazer esperar os familiares. Cortei uns rascalhos depositei-os no asfalto e escondi-me na mata. Esperei meia hora e comecei a inquietar-me pela demora do automóvel. Resolvi ir andando estrada fora não tivessem já passado…. A quatro quilómetros deparei com um automóvel estacionado na berma da estrada, mas como tinha matricula Alemã não me preocupei. A principal questão era o que teria acontecido ao meu irmão e ao carro que não apareciam. Decidi meter-me a pés até Bragança às 2h da manhã pela estrada Nacional medonha que liga Quintanilha a Bragança ao longo do rio Sabor. A fronteira fechou à meia noite razão pela qual o carro não aparecia. As roupas tinham secado com o andamento, meti as mãos ao bolso tirei um cigarro mas não tinha com que o acender. E meio dormido, meio acordado, cheio de medo, palmilhei 30 km, chegando à entrada de Bragança às 6h da manhã.
Como também tinha deixado a carteira no carro, não podia alugar um táxi para me levar a casa. Esperei à entrada da Cidade com os primeiros raios de Sol a aquecer-me o corpo e os olhares dos que por ali passavam interrogativos por me verem encostado ao seminário com as roupas sujas de atravessar molhado aquele mato medonho. E o carro apareceu uma hora depois, e a alegria voltou a encher o meu coração ansioso por voltar àquela amada.


2 comentários:

Anónimo disse...

Pois é Sr. António, eram outros tempos!.. Muito difíceis, mas que recordo com saudade!.. Não havia telemóveis, computadores, televisão nem sequer luz elétrica, mas éramos felizes à nossa maneira. Foram estas e outras peripécias, como a do Sr. António, que fizeram de nós homens e mulheres e nos fazem dar valor à mais pequenina coisa que se conseguiu ao longo da vida.
Gostei de ler este seu texto alusivo a um acontecimento na sua vida. Eu também os tenho, não tão turbulentos, e recordo-os agora, milimetricamente com muita saudade e tristeza, porque o tempo passou com a velocidade de um jato.

Um grande abraço

antonio disse...

Olá Sr. Anónimo: não há muito para acrescentar ao seu elucidativo comentário...tais feitos reforçaram sem dúvida a nossa personalidade, e ajudaram a ver com outros olhos os reflectores do qe se chama viver... o tempo não nos pertence... foge voa, a nós de saber aproveitar a sua
presença
Obrigado pela sua grande amabilidade. Cumprimentos