sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Os Moinhos da Ribeira




 O dia apareceu cinzento…. nublado e um vento frio, vindo das serras mais próximas dos nossos hermanos galegos, cobertas de um manto branco, afinava o nariz, àquele que ousava, deixar a quente lareira, para ir dar um esticão às pernas, cuja artrose persiste em dar mau viver aos seres humanos, sobretudo aos mais idosos. Enchi-me de coragem, calcei umas botas confortáveis, vesti o velho blusão de couro, apertei-o, e saí de casa, saturado das emissões televisivas, das conversas caseiras, das redes sociais com publicações emprestadas, frases bonitas, fotos e outras candongas que nos fazem saltar de raiva, tal como aquela casa das aldrabices… não tinha destino definido, e as opções eram remotas, mas… um dia inteiro encurralado é realmente uma seca! Tinha acabado de ler o livro do meu amigo Fernando Calado, “ E JÁ NÃO HAVIA ROSAS”, pela enésima vez, sempre com o mesmo prazer. No café do Reis, agora alugado por um período de um ano, já não se passa o tempo como outrora, por razões óbvias de desertificação da população, e porque a censura decidiu permitir apenas falar da vida de cada um, o que é outra seca, sendo as noticias também encurraladas, mas, como dizem alguns: cada um só tem o que merece.

Saí pela rua detrás,  Vale de Cavaleiro, segui pela rua do casarão até ao cimo do povo, junto do campo de futebol, o qual também aguarda o milagre do mês de Agosto para poder usufruir dos divertimentos animados e barulhentos que quebrarão aquela monotonia misturada com a sensação de abandono. Fiquei um momento a recordar tardes bem passadas na companhia de dezenas de jovens, correndo atrás de uma bola, falando de coisas sem importância, rindo às gargalhadas, voltar para casa ao cair da noite, tomar um banho quente e jantar em paz, embora apressadamente, porque outros divertimentos, esperavam-nos pela noite fora… o privilégio masculino que vigorava nas Aldeias enquanto não houve a revolta feminista…
Subitamente dirigi o olhar par o lado, onde se vê a floresta do Scairo, plantada pelos moradores de Murçós há talvez uns trinta anos ao longo da serra que ladeia a Aldeia de Negrêda. Uma visão panorâmica deveras agradável, que só a ribeira de Mós de Selas, pode definir e compreender com orgulho e nobreza, enquanto corre silenciosamente por entre o denso arvoredo, alguns sobreiros centenários, freixos e choupos, estevas giestas, carrascos, juncos e até pascoelas amarelas no seu tempo… lembrei-me de descer até à ribeira a fim de visitar um dos moinhos existentes e em funcionamento em tempos idos, onde a maioria dos moradores desta terra moíam os cereais, trigo e centeio, e os transportavam, em alforges, sacos de lona, e outros meios existentes nesse tempo.
Segundo informações recolhidas, teria havido ao longo desta ribeira, cinco moinhos: o do tio Sebastião, o da nogueira, primeiro a desaparecer, o da Viúva, mais abaixo o dos “Ferreiros” e ainda o do Povo. Eram tempos difíceis, e os caminhos para aceder não facilitavam a tarefa, aos agricultores, os quais passavam dias e noites em volta daqueles rodízios, das águas que os movimentava, das cantarias redondas e pesadas que moíam, e dos sacos para trazer de volta para casa farinha a fim de alimentar o agregado familiar, bastante numeroso. Lamentavelmente nenhum deles foi preservado, ainda que o Estado tivesse subsidiado a restauração. Hoje pouco ou nada resta de um património tradicional… o telhado ruiu cedendo à intempéries, as pedras redondas e furadas que serviam de conduta da água corrente por gravidade, embarcaram não se sabe para onde, restam apenas as recordações àqueles que por lá passaram, e o testemunho das acentuadas encostas da Reboreda, Lúzio, escairo, e Ribeira de onde se extraíram centenas de carros de uvas, ao suor daqueles que fabricavam o solo, árduo, mas fértil e tão útil dada a ocupação populacional.
A Ribeira com suas “olgas” guardou o “charme” mas as suas correntes diminuíram consideravelmente, e as trutas numerosas, já poucas se aventuram a subir, porque em tempos de verão, ficam apenas aqui e ali algumas açudes provocadas pelo ruir das bermas ou trocos de árvores arrancados de velhos.
E a velha ribeira continua a correr no se trajecto traçado pelo destino ou qalquer irrupção vulcânica, na direcção de Nozelos, Torre, para mais tarde se juntar ao rio Tuela, sem preocupar com o que se passou, sem julgar, resignada a ficar ao abandono como a terra mãe caminha para lá


2 comentários:

Anónimo disse...

O Sr. António é um felizardo!

Também eu gostaria de me levantar pela manhã e por os pés a caminho para poder desfrutar essa linda paisagem e respirar esse ar puro. Mas, infelizmente, o que a minha vista alcança quando saio de casa, são blocos e blocos de cimento e o que respiro é ar saturado dos tubos de escape.
Essas terras, que alguns chamam trás do sol-posto, são as terras mais bonitas e mais saudáveis que existem na terra! Deus as abençoe e as mantenha sempre assim.

Um grande abraço

antonio disse...

Meu caro Anónimo(a): o descontentamento do ser humano é uma força da Natureza... posso considerar-me sortudo no sentido que descreve, sobretudo por ter conhecido o viver infernal das grandes Cidades...felizardo? Talvez; sabendo que existem milhares de seres humanos realmente infelizes...
Fiz uma opção para o resto da minha vida, e mesmo se nem sempre vigora o sentido de convivialidade, somos sempre recompensados por outros privilégios característicos da proximidade com a Natureza.
Bem-haja pela visita e comentário.
Com os meus cumprimentos