Viveres. capitulo I
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O comboio proveniente de Andaye, dava entrada na Estação de
Austerlitz, pela linha N.º17. Os passageiros apressavam-se a ir recuperar as bagagens
aos diversos lugares, num emaranhado de confusão, ansiedade e desenvoltura,
perante a admiração dos clandestinos, acostumados ao sossego, lentidão,
pensando que de onde vinham, dava-se tempo ao tempo. Corria-se em todas as
direcções, os Portugueses que aguardavam a chegada do comboio, acostumados
aquele ritual, aproximavam-se dos compatriotas que reconheciam ainda longe no
cais, e sussurravam-lhe ao ouvido: - Quer um carro?
Exerciam estas funções de motorista clandestinamente, com o
seu carro pessoal, alguns já a cair de velhos, mas, era um ganha-pão fácil,
sobretudo porque se aproveitavam da situação, por motivos de linguagem e dos
fracos conhecimentos daqueles que chegavam pela 1ª vez a Paris. Os verdadeiros
taxistas travavam com eles e a Policia uma luta constante, mas, os Portugueses
são persistentes, sobretudo neste ano 1968 difícil, de greves e manifestações
que marcou profundamente a economia Francesa.
Fomos abordados por vários Portugueses, que nos fizeram a
mesma pergunta, mas, já vínhamos informados da falcatrua, pelo que nos
dirigimos para a fila de táxis, e o
condutor veio, meteu na mala as nossas bagagens, e perguntou: - Adresse sil
vous plait…
O Zé estendeu-lhe um papelinho onde vinha escrito o
endereço, e o velho 404 partiu a toda a velocidade. O tempo de chegada
pareceu-nos longo, por entre as lindas avenidas claras mas não se via viva alma
porque era 1h30 da manhã. O Zé ainda perguntou num Francês aproximativo: -
ainda falta muito?
O chofer respondeu, e percebeu-se que estávamos próximos da
chegada… entrou numa ruela estreita, (Cité des Fleurs) imobilizando-se junto de um prédio Urbano de 8 andares, era o N.º 8. Saiu fora do carro e lançou um
berro… - Messieur Martin?
Só à terceira tentativa se ouviram rumores por detrás da
janela do rés-do-chão, abriu-se a persiana, e apareceu o Chico em roupa de
dormir, para pagar, porque nós não levávamos tostão connosco. Entramos numa
grande peça, a qual servia de cozinha, sala de estar e quarto de dormir, era o local da:
“concierge”. (porteira)
Fomos levar o Zé rue des Courones, no 19em , onde vivia um
primo, que o acolheu dignamente, pagando a parte que lhe cabia do táxi.
Voltamos para casa, onde comemos, e dormimos, no chão com
duas mantas, emprestadas pelo Chico, para passar a noite. No dia seguinte a
Maria foi visitar uns patrões, que um moço de Vilar-de-Ouro lhe tinha
arranjado, como doméstica, lá para os lados de Meudon, onde ficou a trabalhar.
Tinha sido um ano drástico, e os empregadores, não admitiam
pessoal, pelo que fui obrigado a permanecer junto do casal, escondido dos
olhares, curiosos, que eventualmente pudessem denunciar-me aos proprietários do
prédio durante cerca de um mês. Todas as tentativas para conseguir um trabalho,
foram por água abaixo, contudo o Chico e a esposa nunca mostraram desagrado…
tentaram por todos os meios, mas, em vão.
Entretanto, minha irmã que morava e trabalhava no “chateau”
de Villechenay, começava a desesperar de inquietude… tentou por sua vez
arranjar qualquer coisa através de conhecimentos dos patrões, os quais
encontraram um emprego rural junto de Tours, para conduzir um tractor. Um dos
amigos veio buscar-me a Orleans, e no dia seguinte fui conduzido ao meu suposto emprego numa quinta. O patrão, homem alto forte e de voz grave, levou-me para
junto do tractor, um monstro como jamais tinha visto. Uma breve explicação, e
1º teste, que resultou deitar o reboque abaixo, e umas calunias vindas do
patrão furioso, ordenando que descesse imediatamente. Compreendi que para obter
este emprego alguém teria mentido, dizendo que sabia conduzir engenhos destes,
quando na verdade nunca tinha visto nenhum. Anoiteceu, e não me sentia bem naquele
lugar, nem tal emprego me convinha, pelo que através de um Português que
trabalhava nesta casa, manifestei o desejo de voltar para Villechenay ainda
aquela noite. Foi-me respondido que só no dia seguinte seria possível, e o meu
coração apertou pela 1ª vez em terras desconhecidas, longe dos familiares, que
até esta data nunca tinha deixado. A noite foi longa dentro daquele casebre
frio, longe do mundo que me viu nascer, com pessoas desconhecidas e
aparentemente com pouca paciência para tolerar erros… e chorei em silencio,
deitado na cama vestido e calçado, aguardando que a madrugada chegasse o mais
breve possível. Foi assim o meu primeiro teste à procura de trabalho por terras
Gaulesas.
De volta ao Chateau, o proprietário, não viu com bons olhos
aquele regresso precipitado, e muito menos a minha permanência, sem fazer nada
para justificar a estadia e alimentação. Veio muitas vezes ter comigo à
cozinha, onde me refugiava dos olhares indiscretos recriminadores, ao quente. O
proprietário vinha frequentemente visitar-me, não por cortesia, mas para me
lembrar que passava dias e dias sem fazer nada…e a minha irmã sofria as
consequências… era com ela que os patrões barafustavam, e, ela, para me
proteger arranjava desculpas malabaristas. Mas, a pressão, após um mês,
resultou. Voltei para Paris. Apanhei o Metro e fui bater novamente a casa do
Chico, que embora não me acolhesse de bom grado, não demonstrou enfado…
Era Domingo, e pela tarde, celebrava missa em português, um
sacerdote pertencente à comunidade Lusófona, junto da estação de Metro Javel.
Era naquele local que se reuniam e se encontravam amigos e conhecidos, para no
final dar dois dedos de palestra. Mesmo sendo noviço nas andanças de Metro,
decidi lançar-me à aventura, fui só para lá. E tal como se tivesse sido
premeditado, encontrei-me com 3 amigos de infância, da minha terra, os quais
prometeram pedir ao chefe deles para me dar trabalho na construção Civil, como servente já que não sabia fazer mais nada. Este homem vivia em comunhão de
facto com uma prima minha em 3º grau. Chamavam-lhe o “pisco” nomeada que ele
aceitava, e logo no dia seguinte deu instruções para me apresentar na Cidade
“Les Mureaux”para trabalhar. Fiquei imensamente feliz por duas razões: uma
tinha finalmente a possibilidade de começar a trabalhar; a outra iria juntar-me
a pessoas da minha terra com quem passei a minha infância, sempre útil em caso
de necessidade
4 comentários:
Sr. António,
Mais um retalho da sua vida. Foi com grande emoção que o li.
Ei-los que partem
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos
ei-los que partem
velhos e novos
Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados
Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se fez em pão
virão um dia
ou não.
Não pude evitar que uma lagrimazinha me caisse pelo canto do olho.
Gostei.
Um abraço.
Sr.(a) Anónimo:Também fiquei profundamente emocionado com as suas calorosas palavras... mas sobretudo com o belíssimo poema! Resume poéticamente as histórias verídicas de tanta gente... e contribui para o enriquecimento desta página, por conseguinte,congratula os que a visitam, honrando quem contribui para a manter viva e interessante...
que Deus abençoe quem possui dons e princípios transmissíveis aos que enveredam pelo caminho da beleza e do amor.
Um imenso bem-haja, acompanhado de um abraço, se me permite...
Também eu fiquei emocionada e com uma lágrima no olho. Primeiro, porque, como já é habitual, o texto é belíssimo, cheio de emoção e realidade, e depois porque eu conheço as personagens que aparecem na história. É como se estivesse a ler a narrativa de um autor notável da nossa literatura, mas com a vantagem de saber e de conhecer as suas personagens. Finalmente encontrei o teu blogue, para poder, depois de um dia inteiro estar a analisar os escritores do papel, poder deleitar-me a ler histórias reais, que bem podiam ter sido escritas por um desses autores.
Ainda bem que não desististe deste blogue.
Um beijo da tua sobrinha
Lena
Olá, Lena! Que grande surpresa... agradável como é óbvio! As tuas frases elogiosas são mais um incentivo a continuar com os meus rascunhos, mas sobretudo de uma sensibilidade carinhosa de quem conhece perfeitamente as peripécias do meu passado, por teres feito parte das nossas vidas... Bem-haja Sr.a Professora pela dedicação do seu escasso tempo... Um beijo grande saudoso.
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