quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

HERANÇAS DESTINADAS

foto retirada da net

HERANÇAS II

Durante a sua escolaridade, o “puto” sofreu profundamente as diferenças sociais… da 1ª à 4ª classe, não teve para a aprendizagem um único livro seu… estudava com os companheiros, e, durante as aulas; esforçava-se ao máximo para não perder terreno na caminhada difícil, onde o orgulho superava os complexos de inferioridade. Passou quatro anos naquela escola, onde os professores exigentes e rigorosos, tentavam transmitir a sabedoria sem demagogias discriminatórias, impondo disciplinarmente métodos repressivos para a obtenção de resultados que facultassem aos alunos: educação, higiene, e preparação sociocultural. Porém, o “puto” sentia-se bem… ao lado dos que tinham o que ele não podia ter… sem inveja nem tribulação mental. Brincava no pátio quando o sol raiava, jogava jogos tradicionais que fazem esquecer tristezas, fomes e peripécias que a vida reserva aos mais desfavorecidos. Destacou-se brilhantemente das nove crianças que com ele iniciaram a escolaridade primária, e só quatro de entre eles se prepararam para o exame de 4ª classe nos quatro anos consecutivos. Contudo, deparou com mais um erro humano, dos seus pais mas não só… omissão de registo civil! Ninguém sabia da sua existência, mais uma vez ironia do destino. Para ter uma cédula e poder ir fazer exame de 4ª classe, foi, o encarregado de educação, obrigado a registar o“ puto “ 

   

com onze anos de atraso, e uma coima. Também o seu nome sofreu modificação, porque o que lhe foi atribuído no batismo não foi aceite…
Saía pela 1ª vez da terra, e, quando na Estação de caminhos-de-ferro, pediu um bilhete par viajar no comboio a vapor, teve a sensação de abandonar para sempre aquelas terras de pobreza e sacrifícios. Na Cidade durante 8 dias, numa pensão de quatro coroas, extasiava-se com as ruas, as montras, os numerosos passantes, tantas regalias que não existiam na pacata Aldeia onde vivia. O exame correu muito bem, e o tempo da felicidade estava no fim. De regresso a casa, tendo sido aprovado com outro rapaz da sua idade, foram visitar a professora, que os felicitou com um beijo…
Os três meses de férias de verão passaram tão rápidos, e o “puto” que alimentou a esperança de que um bom coração humano o abordasse e lhe propusesse de o mandar estudar para a civilização, sofreu uma desilusão devastadora… não bastava ser inteligente, eram necessários meios financeiros, mas, ele tinha nascido um pobretanas e as pessoas que o rodeavam avarentos sem coração… refugiava-se nos cantos mais desertos da Aldeia para derramar lágrimas dolorosas ao abrigo dos olhares curiosos, sem pretensão alguma, de dó nem piedade, reprimindo a fatalidade predestinada que continuava a sua perseguição.



Resignado e temeroso de ser desgraçado toda a sua vida, passavam-lhe pela cabeça de jovem adolescente ideias baralhadas, umas sem senso outras sem sentido, mas, continuava esperançado de que um milagre se operasse, um anjo o transportasse para longe, e desse resposta a tantos pontos de interrogação que o martirizavam.
Meses depois, enquanto ajudava à missa, um raio de luz, vindo não se sabe de onde, penetrou naquela Igreja e iluminou o futuro do “puto”.

4 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Há infâncias muito sofridas - como esta que nos contas hoje. E é muito bom que o faças, dessa tua forma tão generosa e agradável de contar.

Beijos

antonio disse...

Fátima: embora as pessoas gostem mais ler contos de fadas, a realidade também merece o seu cantinho de leitura. Obrigado pelas palavras elogiosas que caraterizam a pessoa generosa e condescendente que sempre foste... beijos

Unknown disse...

António, boa noite!
Conheço algumas histórias como esta, antigamente os tempos eram difíceis e só os mais privilegiados tinham acesso ao ensino superior. Hoje, vivem-se tempos que se começam a assemelhar aos de antigamente. Creio que caminhamos a passos largos para que o ensino se torne outra vez num luxo a que só alguns terão direito.

Beijinho,
Ana Martins

antonio disse...

Olá Ana! Infelizmente é uma realidade futura que doi por dentro e por fora... esperançados de que tal não veha acontecer, pois as novas gerações nasceram e cresceram acostumadas a este ritmo de vida... seria catastrófico recuar na evolução dos tempos... obrigado pela visita. Beijos