domingo, 6 de outubro de 2013

TAXI DRIVER

 PELAS RUAS DE PARIS I
Acabadinho de adquirir o seu CAP (certificado de aptidão profissional), mais um para a sua coleção de pessoa inconformada com a realização imposta pela vida, n’uma manhã de sol, mas fresca, pela aproximação do Outono, dirigiu-se o “puto”, agora já quase homem, a passos lentos, compassados, quase reticentes, para um beco sem saída, onde do lado direito, havia uma garagem de táxis. Os portais estavam abertos… no interior manchado de óleos, movimentavam-se pessoas e automóveis, apressadamente, sem se sociarem de quem entrava ou saía. Encostado à ombreira dos grandes portais, o puto presenciava silenciosamente, com grande timidez, o vaivém, indeciso, apreensivo, como quando se vai fazer um exame, independentemente da natureza ou grau. Tudo isto era, para ele, de uma estranheza desconcertante, relativamente ao que tinha aprendido na escola durante seis meses de preparação para o exame, rue de Morillons Paris 15em, no qual conseguiu aprovação à 2ª tentativa.
Após tempo indefinido ali encostado, saiu uma senhora e perguntou:
- O Sr. que faz aqui? Deseja alguma coisa?
A gaguejar o “puto” contou a sua história, concluindo que procurava trabalho nesta profissão.
Logo no dia seguinte, foi-lhe entregue, pelo mecânico, neste local, um carro a cair de velho, de marca Pegeot 404, assim como uma folha de serviço para retirar do contador os números referentes ao condutor precedente, e duas placas horárias, que eram colocadas junto do vidro da retaguarda, para a fiscalização saber, ano dia e hora deste trabalhador, o qual não podia exceder 10 horas de serviço.







O “puto” tinha aprendido teoricamente as funções que iria desempenhar, mas, na prática, as coisas eram bem mais complicadas, mesmo para aqueles que julgavam conhecer Paris… três mil e duzentas ruas não incluindo a periferia… cerca de vinte hospitais de grande dimensão… doze Museus repartidos pelos quatro cantos da cidade… por volta de cinquenta hotéis de renome internacional… cinco das maiores estações de caminho-de-ferro, os jardins mais populares e mais frequentados… etc.
Ensinaram-lhe rapidamente o funcionamento do carro e dos contadores, e, toca a andar que o tempo é dinheiro… Pegou no velho 404, acendeu a luz de livre, e lá foi, como quem anda às escuras em noites invernais por lugares desconhecidos.
Colocou-se na bicha de táxis na estação de Levallois, e trémulo como varas verdes, via saindo um a um os que o precediam. Chegou por fim a sua vez, um homem dos seus 40 anos, bem vestido, com uma pasta nas mãos, entrou, dando as boas-horas… o puto respondeu com voz trémula.
- La Bourse… s’il vous plait.
Apercebendo-se imediatamente do meu embaraço, deduziu que era noviço, na profissão pelo que de imediato acrescentou:
- É novo?


Sim – retorquiu… o Sr. é o meu 1º cliente.
Não tenha problemas que eu indico-lhe o percurso – vou para lá todos os dias…
Chegamos ao destino, sempre o cliente como guia; ia sair, e já outro esperava para entrar enquanto este pagava.
Entrou e educadamente deu os bons-dias, dizendo:
- Kremelin Bicètre…
Desta vez foi o “puto” primeiro a informar que era novo, pelo que agradecia que lhe dissesse por onde queria passar. Este aquiesceu, mas tudo foi tão complicado, pois tanto conhecia o cliente como o motorista, e, depois  de dar voltas e mais voltas, quase uma hora passada, o contador marcava uma soma exorbitante, para além do pobre homem chegar com 45 minutos de atraso ao trabalho. Ordenou que o acompanhasse à empresa e confirmasse perante o patão a responsabilidade do atraso.
Outros clientes se seguiram, e o dia correu pessimamente tanto para o motorista que recebia 25% da receita, como para o proprietário, dando a recolta apenas para pagar o gasóleo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Sr. António,
Gostei da história.
Também, bem complicados são os dias hoje para estes jovens, que tiram os seus cursos com muito sacrifício de seus pais, e que no final acabam em caixas de supermercados, ou por emigrar.
Tal como esse puto do táxi também eles batem à porta das garagens, oficinas, fábricas etc. mas nenhuma delas se abre, ainda que lhe corresse mal o dia.
Continue a escrever que eu gosto de ler.
Cumprimentos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Entre a escola e o trabalho existe um mundo inteiro de diferenças. Felizmente, há gente que compreende e nos dá a mão quando começamos.

Gosto tanto de ler estas histórias de vida que tu contas tão bem!

Beijos

antonio disse...

Boa tarde Sr. anónimo(a):
Estou em plena sintonia com o seu comentário; mais... lamento imenso a situação dos jovens e compreendo-os quando manifestam frustração no seu estado displicente...também sou pai, pelo que o problema reside igualmente no seio do meu agregado familiar.
Bem-haja pela visita. É bom saber que alguém nos lê e gosta. Respeitosos cumprimentos

antonio disse...

Olá Fátima! Há realmente grande diferença entre a teoria e a prática... gosto da expressão Francesa: ( nous faire la courte échèlle) ou seja ajudar-nos a evoluir... apesar de que a melhor escola, sem propósitos de ofensa para ninguém, é a da vida real.
Grato mais uma vez pelas tuas carinhosas palavras. Beijos