Saí pela rua detrás,
Vale de Cavaleiro, segui pela rua do casarão até ao cimo do povo, junto
do campo de futebol, o qual também aguarda o milagre do mês de Agosto para
poder usufruir dos divertimentos animados e barulhentos que quebrarão aquela
monotonia misturada com a sensação de abandono. Fiquei um momento a recordar
tardes bem passadas na companhia de dezenas de jovens, correndo atrás de uma
bola, falando de coisas sem importância, rindo às gargalhadas, voltar para casa
ao cair da noite, tomar um banho quente e jantar em paz, embora apressadamente,
porque outros divertimentos, esperavam-nos pela noite fora… o privilégio
masculino que vigorava nas Aldeias enquanto não houve a revolta feminista…
Subitamente dirigi o olhar par o lado, onde se vê a floresta
do Scairo, plantada pelos moradores de Murçós há talvez uns trinta anos ao
longo da serra que ladeia a Aldeia de Negrêda. Uma visão panorâmica deveras
agradável, que só a ribeira de Mós de Selas, pode definir e compreender com
orgulho e nobreza, enquanto corre silenciosamente por entre o denso arvoredo,
alguns sobreiros centenários, freixos e choupos, estevas giestas, carrascos,
juncos e até pascoelas amarelas no seu tempo… lembrei-me de descer até à
ribeira a fim de visitar um dos moinhos existentes e em funcionamento em tempos
idos, onde a maioria dos moradores desta terra moíam os cereais, trigo e
centeio, e os transportavam, em alforges, sacos de lona, e outros meios
existentes nesse tempo.
Segundo informações recolhidas, teria havido ao longo desta
ribeira, cinco moinhos: o do tio Sebastião, o da nogueira, primeiro a
desaparecer, o da Viúva, mais abaixo o dos “Ferreiros” e ainda o do Povo. Eram
tempos difíceis, e os caminhos para aceder não facilitavam a tarefa, aos
agricultores, os quais passavam dias e noites em volta daqueles rodízios, das
águas que os movimentava, das cantarias redondas e pesadas que moíam, e dos
sacos para trazer de volta para casa farinha a fim de alimentar o agregado
familiar, bastante numeroso. Lamentavelmente nenhum deles foi preservado, ainda
que o Estado tivesse subsidiado a restauração. Hoje pouco ou nada resta de um
património tradicional… o telhado ruiu cedendo à intempéries, as pedras
redondas e furadas que serviam de conduta da água corrente por gravidade,
embarcaram não se sabe para onde, restam apenas as recordações àqueles que por
lá passaram, e o testemunho das acentuadas encostas da Reboreda, Lúzio,
escairo, e Ribeira de onde se extraíram centenas de carros de uvas, ao suor
daqueles que fabricavam o solo, árduo, mas fértil e tão útil dada a ocupação
populacional.
A Ribeira com suas “olgas” guardou o “charme” mas as suas correntes
diminuíram consideravelmente, e as trutas numerosas, já poucas se aventuram a
subir, porque em tempos de verão, ficam apenas aqui e ali algumas açudes
provocadas pelo ruir das bermas ou trocos de árvores arrancados de velhos.
E a velha ribeira continua a correr no se trajecto traçado
pelo destino ou qalquer irrupção vulcânica, na direcção de Nozelos, Torre, para
mais tarde se juntar ao rio Tuela, sem preocupar com o que se passou, sem
julgar, resignada a ficar ao abandono como a terra mãe caminha para lá
2 comentários:
O Sr. António é um felizardo!
Também eu gostaria de me levantar pela manhã e por os pés a caminho para poder desfrutar essa linda paisagem e respirar esse ar puro. Mas, infelizmente, o que a minha vista alcança quando saio de casa, são blocos e blocos de cimento e o que respiro é ar saturado dos tubos de escape.
Essas terras, que alguns chamam trás do sol-posto, são as terras mais bonitas e mais saudáveis que existem na terra! Deus as abençoe e as mantenha sempre assim.
Um grande abraço
Meu caro Anónimo(a): o descontentamento do ser humano é uma força da Natureza... posso considerar-me sortudo no sentido que descreve, sobretudo por ter conhecido o viver infernal das grandes Cidades...felizardo? Talvez; sabendo que existem milhares de seres humanos realmente infelizes...
Fiz uma opção para o resto da minha vida, e mesmo se nem sempre vigora o sentido de convivialidade, somos sempre recompensados por outros privilégios característicos da proximidade com a Natureza.
Bem-haja pela visita e comentário.
Com os meus cumprimentos
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