sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Naqueles tempos, onde e quando tudo escasseava, e os meios eram mais que restritos, a imaginação chamou-nos a um canto de rua para nos segredar marchas e o teatro de ruas improvisados. Eramos jovens, porém, dentro de alguns de nós, mexia um bichinho improvisado, para alegrar tristezas que não pagavam dividas, com poucos meios, rebuscados nos confins de lugares sem nome, já sem esperança de um dia voltarem a servir orgulhosos com os aplausos dos numerosos presentes, porque era dia de carnaval e festa é festa. O elenco prestigioso, que mais abaixo tentarei citar pedindo desde já per dão aos esquecidos, por terem já passado mais de 50 anos, onde já nem a memória de elefante consegue lá chegar, de juventude que ali nasceu, filhos de pobres e de ricos, conhecedores do que o povo gostava para passar um dia bem passado. Os ensaios ocorriam em noites gélidas na casa dos da Eira onde a Aninhas e uma prima de Meles tentavam meter na cabeça de principiantes, junto à lareira que ardia alegremente, cantigas trazidas não se sabe de onde, enquanto o resto dos familiares sumia para não transtornar. Aprendia-se primeiro, e durante muitas noites, a letra e a música, e só depois entrava a cooreografia naquela grande cozinha, de piso irregular porque o tabuado tinha destas manias, ralhando com as colegas e querer subir mais umas que as outras… tropeçar fazia rir ou corar, mas as mestras colocavam logo toda a gente no seu lugar. Saíamos muitas vezes passava da meia noite, e os cavalheiros acompanhavam sempre as donzelas aos seus domicílios. Ao mesmo tempo a Augusta encenava a sessão de tarde na antiga casa do povo onde se realizaria o evento, tendo como palco dois reboques de trator ornamentados com zelo e gosto, trabalho e esforço dos que consideravam a sua maneira de participar. Assentado no centro um fardado com galões de capitão confecionados com serpentinas e o empréstimo das vestimentas de alguém que estava no exército. Já repleto de público aguardando as cenas, saíam lenga, lengas cantares e imitações e o povo alegre e contente gostava. Finalmente o ato mais esperado; Entrei eu vestido de capitão e assentei-me junto à escrevaninha, para formolizar a inspeção de mancebos com capacidade de exercer o serviço militar. Apresentou-se o 1º, o meu irmão Carlos, numa marcha digna dos guardas da rainha de Inglaterra, e batendo com uma bota na outra ao mesmo tempo que fazia a continência de braço estendido e mão bem colada à testa perguntou: Dá licença, meu capitão? Licença para quê? Ir a baixar as calças? Estás a ser inspecionado rapaz e só os fardados estão autorizados a fazer o que fizeste bastante mal. Como te chamas? Vasco ou morcão… respondeu o outro atrapalhado... Mau? Ou és vasco ou morcão? O meu pai é vasco, e os meus irmos também. Então a tua casa está cheia de básicos? Num é bem assim… também nos chamam morcões, menos as raparigas e a minha mãe que não dava… elas são lambisgoias. Família complicada… ah ah ah! Já compreendi. Marcão… claro. Vamos ao que interessa. Quanto medes pesas e idade? -respondeu sei lá! Olha vasco se te mandasse levantar os testículos o que levantavas? – ergueu os braços, enquanto o capitão balbuciava: de facto sois todos bascos. A cena terminou com podes ir. Seguidamente veio a Augusta com a cena das bolinhas do nariz e cantou-se a despedida tinham passado duas horas. No prado exibiam-se com cantares e lindas danças a rapaziada das Cabanas, aplaudidas e acariciadas como gente de honra e consideração, antes de começarem as nossas marchas, preparadas no palheiro do Sr. P.e. Dois a dois iam saindo com os seus pares e o mastro ao centro do qual saiam fitas de todas as cores que enquanto se cantava os pares trocavam, desenrolando, ao longo de dez metros, ondeando ao baixar-se e levantarem-se, uma maravilha coreográfica. Das canções lembro-me apenas de uma desgarrada com a Jacinta onde o cavalheiro (eu) vestido a rigor se dirigia a umã aldeã esbelta e bonita cantando: Adeus ó minha menina Peço que me dê atenção Gostava de saber o seu nome Porque é da minha afeição Tem uns olhos tão bonitos que ferem meu coração Resposta: Não me venha com essas palavras Porque é tempo perdido Ainda não sei namorar Porque sou muito novinha Mas o meu nome é Maria E vivo com minha madrinha - Não tenha medo menina Por tudo o que me está a fala tudo aquilo que não souber A madrinha lhe vais ensinar Dê-me só um beijinho E comigo vai casar (rouba-lhe um beijo) e ambos saem de cena com os aplausos O adeus era assim. Rebordainhos terra branquinha Ao pé da serra brilhante Olhas o céu com ternura E para os pobres confiante Refrão: Aqui viemos Com fé em Deus Senhores e senhoras dizemos-lhe Adeus Do elenco faziam parte António, Carlos, Moisés, Fernanda, Jacinta, Adília, Mavilde, António Pires, Augusta, Maria Augusta, Pedro, José Maria e que me perdoem os que esqueci

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