quinta-feira, 15 de setembro de 2022

O por do sol. Por Ab Quando presenciamos, agarrados a sonhos perdidos, desilusões que perderam o afeto, onde a família era constituída, considerada, respeitada afetuosamente durante gerações, por detrás da serra que vigia permanentemente o grito de uma criança desacorrentada na excisão do cordão umbilical que ligou durante nove meses, a mãe, aquela que lhe deu vida, sofrendo e chorando por amor, e a dor de um velhinho abandonado num quarto de miséria, deitado numa cama que cala as desgraças, com fome e frio, e o desejo de morrer antes de ser comido pelas ratazana, suplicando o Deus crucificado num rosário de penas, que um dia, quando ainda a sua esposa vivia, pendurou na cabeceira diante do qual se ajoelhava e dava graças, antes de adormecer, a pensar já no dia que se seguia. Tinha uma família pela qual sacrificou um viver doloroso, dando-lhes tudo, acariciando-os, nas noites geladas junto à lareira, aqueles cabelos de seda, beijando com suavidade e muito amor os rostos dos netos que lhe pareciam frágeis. Estudavam nas grandes cidades, onde viviam com os pais, desterrados por razões sociais e económicas, porque da terra já não se extraíam centavos para “fazer tocar um cego”. Vinham passar todas as férias com os avós, naquela modesta casa que lhes dava carinho, amor, sustento para o corpo e para a alma, rindo e brincando através de montes e vales onde não havia restrição para a liberdade. Aquele pequeno rio lavava todas as impurezas que traziam com eles e o sol ou a neve fascinavam aqueles cérebros vulneráveis profundamente, enquanto as idades foram aumentando para todos. Começaram aparecendo uma vez por ano, e a demora era de poucos dias. O casal sofria imenso com a ausência daqueles que davam vida às suas vidas. Não era de carros caros e bonitos que necessitavam nem de vindas esporádicas, nem saber que eram engenheiros, médicos ou comerciantes de coisas banais, faltava-lhes o amor e carinho que lhes roubaram, aqueles gritos que faziam estremecer as paredes agora silenciosas e frias. Depois chegou aquele relâmpago de AVC que levou aquela que sempre foi mais que uma companheira, e o castelo foi-se desmoronando, aumentando a apatia a justificação de viver. As crianças eram agora adultos com febre de grandezas desdenhando lugares e pessoas aqueles que um dia ouviram o grito do seu nascimento da mesma cama que hoje a falta de sentimentos martiriza, moendo lentamente até já não ver aquela pequena luz ao fundo do túnel.

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