sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O caminho Caminhava na lentidão prescrita para idades e momentos, acompanhado pela esposa, num esboço de ave consternada, num impulso de cobiçar muito para além do que podia esperar, era meu primo cuja afinidade foi sempre como o antigo muro de Berlim, tinha oito ou dez anos mais que eu, e abalou para outros horizontes quando eu era ainda um “puto” pelo que não tomei como insólito a fato de não me reconhecer. Esperei na beira da estrada, que no passado foi caminho de lama e pó, por onde se efetuavam grandes corredios para apanhar o comboio a vapor a quatro quilómetros de distância, e quando lhe tendi inocentemente a mão par o cumprimentar, não fui correspondido o que me deixou confuso numa perplexidade embaraçosa. Sou filho do teu tio o…- incrível! Responde ele num tom de voz consternado observando-me dos pés à cabeça como um forasteiro que jamais tivesse visto. Como as pessoas ficam desfiguradas! – Disse ele em voz baixa. Acompanhei-os mais alguns passos, sem mais perguntas nem respostas… iam assistir à misa de todos os santos, passados três anos, procurei-o por entre os presentes na igreja, em vão. Na minha mente surgiam constantemente aquelas poucas frases que trocámos, caminhando ou empurrados por um vento que rapidamente passa e gela, transforma e leva consigo, para lá das serras, dos lugares e das pessoas, transformadas em pó, já sem linguagem nem pernas para ainda caminhar, ao som das trombetas, dos sinos que repenicam, de mais uma peça que se retirou do puzzle, em silencio, com dignidade. Familiares que nunca fomos, amizades passageiras de um dia, um mê ou alguns anos, que bruscamente o nefasto realça, quando já o interesse atravessou para o outro lado aquele rio sujo, encontrando o que sempre procuraram, desejos falsificados, promessas imersas no fundo de um saco com eles trazido onde tudo, até as mentiras, foi metido. Vamos neste dia mostrar, e perante os numerosos presentes lacrimejar até as costas voltar deixando para trás tormentas e dor, representadas por cada flor. Vasos lindos para inglês ver, perfumes que acabam por desaparecer. Enquanto vivos foram esquecidos e desprezados, de todos os seus bens despojados e com lindas frases encaminhados para asilos de velhos onde são deixados, que as suas reformas vão pagando, nunca sabe até quando aqueles meigos olhares na parede fixos, e que á noite nos seus quartos isolados, acordam de manhã de pés e mãos molhados. Nunca mais poderão chorar, nunca mais voltarão a amar, tantos anos se perderam, noites à vela sem poder dormir, pagos com moedas de desilusão das quais também um dia eles receberão. Quem é a tua família? Perguntar-lhe-á um gaiato, que desaparece neste mundo ingrato AB

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