domingo, 13 de novembro de 2022

AB Destinos e destinados 302 por António Braz Era mais um dia de fim de verão, as folhas amarelavam prevendo que brevemente cairiam mortas, num chão frio, mas a paisagem era primorosa com aquela variação de cores anunciando um outono ventoso com mudanças de temperatura, obrigando as pessoas a agasalhar-se nas suas casas ou fora. É uma das estações do ano cheia de imprevistos, que dá entrada a falatórios mais ou menos realistas, com insinuações e previsões de despedidas. Ás seis da manhã, junto à vivenda dos Avós de Fernando C estacionava uma ambulância do INEM, e três pessoas dirigiram-se com o porteiro para o interior a passos largos e apressados. Subiram pelas escadas, duas a duas, levando com eles todo o equipamento de socorro, só a cama de encarte entrou mais tarde quando o médico tinha instalado o maquinismo ao qual ligou imediatamente o moribundo que de olhos fechados não conseguia responder às perguntas, com os lábios colados um ao outro. O enfermeiro interrogava com o olhar o médico o qual brevemente chegou a um diagnóstico - Crise cardíaca severa, (infarto do miocárdio) opinou o médico, precisamos de conduzi-lo ao hospital o mais rápido possível… Junto ao leito, banhada em soluços, a esposa de mãos postas e olhos erguidos para a imagem do divino senho, enquadrado por cima do leito rezava em voz trémula e baixa. Fernando C que não tinha dormido em casa, ausências frequentes que o álcool e as drogas, faziam dele um farrapo, sobretudo nesta fase em que a amiga borboleta lhe tinha colocado um ultimato, que tinha de escolher rapidamente entre ela e as fantasias destrutivas com amizades de gangues, onde o dinheiro ardia como palha seca, situação em que colocava os avós responsáveis pela sua educação num desespero constante, tendo já sido obrigados a recorrer ás economias sendo ameaçados e chantageados com a morte da mãe. As empresas foram vendidas, a oportunistas negociantes que aguardam como abutres situações idênticas das quais tiram o máximo lucro. Antes de lhe faltarem todas as faculdades o avô tinha mandado chamar o notário ao quatro onde foi registado um testamento no qual eram repartidos todos os seus bens, os de um império que se desmoronava como um castelo de cartas. Todos os seus entes queridos tinham a parte que lhes pertencia por direito. Fernando D entrou em casa no dia seguinte, ainda meio atordoado, mas ao reparar nos choros da avó que não tinha fechado olho, sentiu um estremecer e um bater de coração, como se alguma coisa tivesse acontecido naquela casa, Antes de abraçar a avó subiu ao quarto vazio onde dormia o casal e ao vê-lo vazio o coração caiu-lhe aos pés. Voltou a descer as escadas saltando por cima delas, e a pergunta não foi necessária. O teu avô foi ontem para o hospital em estado critico, provavelmente vai morrer, e tu onde estavas? Teria amado falar contigo pela última vez e tu negaste-lhe o último desejo. Será que o teu coração é feito de pedra? - Perdão avozinha, - e agarrado ao seu cabelo parecia um touro à solta. Eram tantos e tão grandes os remorsos, que não conseguia orientar-se. - Não vais vê-lo enquanto é tempo? - Claro que vou… mas não sei onde está nem tenho dinheiro para o transporte. -Desgraçado, em que bicho te tornaste? Pelo caminho do hospital Fernando C sentiu-se um monstro. Ao entrar de mansinho no quarto do avô assentou-se a seu lado inundado em lágrimas enquanto lhe apertava uma das mãos. Depois passou os seus dedos por aquele rosto meigo e enrugado enquanto mentalmente pedia perdão. Estava a beijá-lo na fronte quando uns olhos meigos, ternos, e cansados se entreabriram, e os lábios ressequidos perguntaram com grande dificuldade: - És tu meu ilho? Não temos muito tempo para falar, mas queria que soubesses que te amo muito e a tua avó também.… não deixes que lhe falte nada, prometes? -Fernando estava arrasado, e as palavras demoravam a sair. - Promete meu filho, porque eu vou partir brevemente e só assim partirei em paz. -Claro que prometo… mas não nos deixe por amor de Deus… O homem voltou a fechar os olhos para nunca mais os abrir, esperou pelo neto lutando até ao último suspiro.

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