terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A Casa Transmontana



 ESCOLHI ESTE TEXTO DE Silvério B. Pires QUE ILUSTREI COM AS FOTOS DE: Tó-Slalom, de Soutelo Mourisco

«As casas antigas são construídas de pedra, sendo os interiores sombrios. As paredes e os tectos das cozinhas são normalmente escuras como breu.

As lareiras estão acesas grande parte do ano para cozinhar e aquecer e, de Novembro até Março, penduram-se por cima da lareira grandes quantidades de porco salgado e enchidos para serem fumados.

As casas estão tão juntas que se perde a privacidade; com o simples abrir das portas da frente mostram-se imediatamente a qualquer passante as cozinhas e as salas.

Os aposentos ficam no andar de cima e em baixo os estábulos, as arrumações de produtos agrícolas ou a adega».



A Casa Transmontana primitiva era térrea e formada por um único compartimento e uma única porta que rolava sobre a soleira. Num canto acendia-se o lume, noutro dormia a família, geralmente numerosa, e noutro salgava-se o porco.

Desde muito cedo o homem se rodeou de animais para seu benefício. Por isso precisou de lhe dar espaço próprio e alojou-o no rés-do-chão, em terra batida.

A montanha ofereceu ao homem transmontano a rocha, alvenaria de xisto ou granito, que foi desde sempre a matéria-prima nobre e farta de que se serviu para construir a mais modesta casa rural mas também os solares sumptuosos e apalaçados.

Subia-se ao primeiro andar pelas escaleiras exteriores de granito, ligadas à rua apoiando-se no corrimão. A casa do lavrador mais abastado era rodeada pelo espaço curral. Neste espaço, que rodeava a casa situava-se o cabanal, onde se guardava a lenha retirada do sequeiro, já partida e livre da chuva, e as alfaias agrícolas.

Era ainda o curral o lugar do recreio dos animais. Tinha uma grande fachada ou porta carral, de pelo menos três metros de altura para passarem livremente os carros de lenha ou de feno. É este amplo espaço que o lavrador chama os roussios.




O espaço que ficava em falso sob as escaleiras, era aproveitado para o galinheiro. Ficava um buraco na parede para as galinhas entrarem, ao qual tinham acesso por uma tábua. Daqui surgiu a expressão popular de, todos os dias ao pôr-do-sol “ir fechar o buraco das pitas”. 

Toda a parte superior da casa assentava sobre grossas traves.
Do cimo das escaleiras, passava-se à varanda de madeira, rodeada por um corrimão e situada geralmente a sul ou a nascente. É o espaço característico da casa que está a desaparecer nas novas construções. Ajudava a varanda a defesa dos ventos agrestes e regelados e do calor escaldante. Nela se secava a roupa estendida numa cana, se apanhava o sol, se expunham os cacos das malvas, craveiros e manjericos, e nas canículas se podia descansar a sesta e cerar ao fresco. Por isso, era larga para caber a mesa e os bancos, e a camarada de segadores, e coberta com a continuação do telhado.


                                                                                                  A lareira é rodeada de grandes e enegrecidos escanos de castanho, que lhes dão o aconchego e bem-estar, à volta do lume nos medonhos serões de Inverno.

Sobre o trasfogueiro caem grossos troncos, em combustão viva e estaladiça.

Os potes de ferro, a caldeira de cobre e a borralheira, o badil e as tenazes são elementos presenciais. A saída do fumo era facilitada por um pequeno cabanal, erguido no declive do telhado.

Na trave do fumeiro penduram-se os presuntos para se ultimar a cura ao fumo.

O almário ou louceiro era enfeitado com os jornais rebicados e colados com o miolo do pão. 

Era o ostentatório das peças artesanais de uso diário, na cozinha.

Por detrás da lareira, muitas vezes, surgia a boca do forno, para se cozer o pão e a borralheira que armazenava a cinza a utilizar, depois na barrela.

O colmo ou a telha vã, fabricada artesanalmente na vizinhança, cobriam a casa. 

As janelas eram encaixadas com o “espigão” na parede, seguras com a tranca, e com um banco de pedra no interior para as pessoas se sentarem às janelas, e exterior para se colocar o caco do craveiro ou do manjerico.

O alçapão facilitava a penetração nos baixos da casa, sem sair à rua, ou era a entrada da tulha.

Na velha arca de castanho, no canto da cozinha, guardava—se a carne de porco cozida, o pão centeio da mesa... e às vezes servia de mesa, para as refeições familiares.

É de tal modo importante a problemática relacionada com a habitação, que a cultura popular lhe consagra alguns dos seus muitos Adágios                                                                                                         
Quando a casa está a arder, chega-se-lhe o fogo.

Quando a casa está acabada, é que deveria ser começada.

Uma casa sem livros é como um corpo sem alma.

Uma casa de fome rapa outra de fartura.

Casa onde caibas e leira que não saibas.

Em nossa casa até a cinza fria aquece.

Casa que não é ralhada não é bem governada.

Quem tem telhado de vidro não pode atirar com pedras ao telhado do vizinho.

Bem fica a fogaça alheia na casa cheia.


Em Trás-os-Montes quando alguém chama, surge logo, em pronta receptividade, a porta escancarada e a resposta:

“Entre quem é”.os seus muitos adágios


Casa abandonada
O lavadouro e a velha e linda fonte

4 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Que belo artigo! É tão real, tão verdadeiro tudo quanto lá está dito. E mesmo assim, apesar do desconforto, sentimos saudades do nosso ninho. Porque era o nosso ninho que simboliza afecto e colo.

Fizeste bem em associar ao texto as casas de Soutelo, aldeia de que gosto muito e que se sabe preservar.

Beijos

Gente da Terra disse...

Sr. António,

Que lindo artigo e que linda aldeia lhe associou para o ilustrar! Adoro estas casas típicas e as suas gentes! "Entre quem é" tão próprio dessa gente humilde e pura!
Foi com grande emoção que li este seu artigo e por isso lhe estou muito grato.
Bem-haja pelo prazer que me deu.

Um abraço

Gente da Terra

antonio disse...

Fico imensamente grato à " Gente da Terra" pelos elogios, mas sobretudo pelo prazer que lhe proporcionou, este post... também eu gosto imenso destes lugares pelos quais tenho grande admiração e respeito!
Com os meus cumprimentos.

antonio disse...

Fátima: desculpa pela demora a responder ao teu comentário. A azeitona não me tem deixado tempo livre.
Quanto ao teu comentário, concordo totalmente; a simplicidade das pessoas embeleza os lugares que consideramos com justa causa...
Sou fervente defensor da verdade, justiça e opreção; e, é com toda a humildade que prezo, aqueles que defendem estes valores.
Bem-hajas pelas tuas agradáveis visitas. Beijos